Daniel 11 — O Futuro Desdobrado
Versículos
1-2: Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me levantei para o fortalecer e
animar. Agora, eu te declararei a verdade: eis que ainda três reis se levantarão
na Pérsia, e o quarto será cumulado de grandes riquezas mais do que todos; e,
tornado forte por suas riquezas, empregará tudo contra o reino da Grécia.
Entramos
agora numa profecia de futuros acontecimentos, que não se revestem de figuras e
símbolos, como nas visões de Daniel 2, 7 e 8, mas que são dados em linguagem
clara. Aqui se apresentam muitos dos mais destacados eventos da história do
mundo, dos dias de Daniel até o fim do mundo. Esta profecia, diz Tomás Newton,
pode apropriadamente chamar-se um comentário e explicação da visão de Daniel 8.
Com esta afirmação o referido comentador demonstra quão claramente percebeu a
relação que havia entre essa visão e o restante do livro de Daniel. (Tomás
Newton, Dissertations on the Prophecies, vol. 1, p. 335).
A última
visão de Daniel interpretada — O anjo Gabriel, após
declarar que estivera a confortá-lo e fortalecê-lo no primeiro ano de Dario,
dedica sua atenção ao futuro. Dario tinha morrido e agora Ciro reinava. Três
haviam de reinar na Pérsia, indubitavelmente sucessores imediatos de Ciro.
Foram eles: Cambises, filho de Ciro; Esmerdis, um impostor; e Dario Histaspes.
Xerxes
invade a Grécia — O quarto rei depois de
Ciro foi Xerxes, filho de Dario Histaspes. Foi famoso por suas riquezas, em cumprimento
direto da profecia que anunciava: “será cumulado de grandes riquezas mais do
que todos.” Resolveu conquistar a Grécia, e para isso organizou um poderoso
exército que segundo Heródoto, consistia 5.283.220 homens.
Xerxes, não contente com movimentar apenas o
Oriente, obteve também o apoio de Cartago no Ocidente. O rei persa teve êxito
contra a Grécia na famosa batalha das Termópilas; mas o poderoso exército pôde
invadir o país somente quando os 300 valentes espartanos que defendiam a
passagem foram traídos. Xerxes sofreu finalmente uma desastrosa derrota em
Salamina no ano de 480 a.C., e o exército persa retornou ao seu país.
Versículos
3-4: Depois, se levantará um rei poderoso, que reinará com grande domínio e
fará o que lhe aprouver. Mas, no auge, o seu reino será quebrado e repartido
para os quatro ventos do céu; mas não para a sua posteridade, nem tampouco
segundo o poder com que reinou, porque o seu reino será arrancado e passará a
outros fora de seus descendentes.
Xerxes
foi o último rei da Pérsia que invadiu a Grécia; de modo que a profecia passa
por alto nove príncipes menores para introduzir o “rei poderoso”, Alexandre, o
Grande.
Após derribar o império persa, Alexandre
“tornou-se monarca absoluto daquele império, em extensão jamais possuída por
qualquer dos reis persas.” (Humphrey
Prideaux, The Old and New Testament Connected in the History of the
Jews, vol. 1, p. 378). Seu domínio abrangia “a maior
parte do mundo habitado de então”. Com quanta exatidão foi descrito como “rei
poderoso, que reinará com grande domínio e fará o que lhe aprouver”. Mas
esgotou suas energias nas orgias e bebedices, e ao morrer em 323 a.C., seus
projetos vangloriosos e ambiciosos foram repentina e totalmente eclipsados. O
Império Grego não foi herdado pelos filhos de Alexandre. Poucos anos depois de
sua morte, toda sua posteridade caiu vítima do ciúme e da ambição de seus
generais, que desgarraram o império em quatro partes. Tão breve é o trânsito do
mais elevado pináculo da glória terrena às mais baixas profundezas do
esquecimento e da morte. Os quatro mais hábeis generais de Alexandre —
Cassandro, Lisímaco, Seleuco e Ptolomeu — tomaram posse do império.
“Depois da morte de Antígono [301
a.C.], os quatro príncipes confederados repartiram seus domínios; e assim todo
o império de Alexandre ficou dividido em quatro reinos. Ptolomeu teve o Egito,
Lídia, Celesíria e Palestina; Cassandro recebeu Macedônia e Grécia; Lisímaco, a
Trácia, Bitínia e alguma das outras províncias que havia mais além do
Helesponto e o Bósforo; e Seleuco todo o resto. Estes quatro foram os quatro
chifres do bode mencionado nas profecias do profeta Daniel, os quais cresceram
após ter-se quebrado o primeiro chifre. Esse primeiro chifre era Alexandre, rei
da Grécia, que conquistou o reino dos medos e persas; e os outros quatro
chifres foram esses quatro reis, que surgiram depois dele, dividindo entre si o
império. Foram também as quatro cabeças do leopardo, das quais se fala noutro
lugar das mesmas profecias. E seus quatro reinos foram as quatro partes em que,
segundo o mesmo profeta, o ‘domínio’ do ‘rei poderoso’ ia ser ‘repartido para
os quatro ventos do céu’, entre esses quatro reis ‘fora de seus descendentes’,
pois nenhum deles pertencia à sua posteridade. Portanto, com esta última
repartição do império de Alexandre, cumpriram-se exatamente todas estas
profecias.” (Idem, p. 415).
Versículo
5: O rei do Sul será forte, como também um de seus príncipes; este será mais
forte do que ele, e reinará, e será grande o seu domínio.
O rei do
sul — No restante deste capítulo o rei do norte e
o rei do sul são muitas vezes mencionados. Portanto, é essencial identificar
claramente estas potências para poder compreender a profecia. Quando o império
de Alexandre foi dividido, as diferentes partes se estendiam para os quatro
ventos do céu: ao norte, ao sul, a leste e a oeste. Estas divisões tinham
especialmente estas direções quando observadas da Palestina, a parte central do
império. A divisão ficava a oeste da Palestina constituiria o reino do
ocidente; a que ficava ao norte, o reino do norte; a que ficava a leste, o
reino do oriente; e a que ficava ao sul, o reino do sul.
Durante
as guerras e revoluções que se sucederam através dos séculos, estes limites
geográficos foram frequentemente apagados e se instituíram novos. Mas quaisquer
que fossem as mudanças efetuadas, estas primeiras divisões do
império devem determinar os nomes que desde então estas porções do território
deveriam sempre levar posteriormente, ou não teremos norma pela qual testar a
aplicação da profecia. Em outras palavras, qualquer que seja a potência que em
qualquer tempo ocupasse o território que a princípio constituía o reino do norte,
essa potência, tão logo ocupasse esse território, seria o rei do norte.
Qualquer potência que ocupasse o que a princípio constituía o reino do sul,
essa potência seria enquanto isso o rei do sul. Falamos só destes dois, porque
são os únicos mencionados depois na profecia, e porque, de fato, todo o império
de Alexandre finalmente se resolveu nestas duas divisões.
Os sucessores de Cassandro foram logo vencidos
por Lisímaco; e seu reino, que compreendia a Grécia e a Macedônia, ficou
anexados à Trácia. Lisímaco foi, por sua vez, vencido por Seleuco, e a
Macedônia e a Trácia anexadas à Síria.
Estes fatos preparam o caminho para
interpretar o texto que agora estudamos. O rei do sul, o Egito, seria forte.
Ptolomeu Sotero anexou Chipre, Fenícia, Caria, Cirene e muitas ilhas e cidades
ao Egito. Assim seu reino se tornou forte. Mas a expressão “um de seus
príncipes” introduz outro dos príncipes de Alexandre. Isto deve referir-se a
Seleuco Nicator, que, como já foi declarado, tendo anexado a Macedônia e a
Trácia à Síria, tornou-se possuidor três das quatro partes do domínio de
Alexandre e estabeleceu um reino mais poderoso que o do Egito.
Versículo
6: Mas, ao cabo de anos, eles se aliarão um com o outro; a filha do rei do Sul
casará com o rei do Norte, para estabelecer a concórdia; ela, porém, não
conservará a força do seu braço, e ele não permanecerá, nem o seu braço, porque ela será
entregue, e bem assim os que a trouxeram, e seu pai, e o que a tomou por sua
naqueles tempos.
O rei do norte —
Houve frequentes guerras entre os reis do Egito e da Síria. Especialmente foi
este o caso de Ptolomeu Filadelfo, o segundo rei do Egito, e Antíoco Teos, o
terceiro rei da Síria. Eles finalmente concordaram em fazer a paz sob condição
de que Antíoco repudiasse sua primeira esposa, Laodice, e seus dois filhos, e
se casasse com Berenice, a filha de Ptolomeu Filadelfo. Como cumprimento disso,
Ptolomeu trouxe a sua filha para Antíoco, e com ela um imenso dote.
“Ela,
porém, não conservará a força do seu braço”, a saber, não continuará
manifestando-se em seu favor o interesse e poder de Antíoco. Assim se provou;
porque pouco tempo depois, Antíoco trouxe de volta à corte sua mulher anterior,
Laodice, e seus filhos. Então, diz a profecia, “e ele [Antíoco]
não permanecerá, nem o seu braço”, ou posteridade. Laodice, ao recuperar o
favor e o poder, temeu que a inconstância de Antíoco pudesse novamente
colocá-la em desgraça, chamando de volta a Berenice. Tendo concluído que nada
menos que a morte dele podia protegê-la eficazmente contra tal contingência,
mandou que ele fosse envenenado. Tampouco os filhos de Berenice o sucederam no
reino, pois Laodice de tal modo geriu os negócios que assegurou o trono para
seu filho mais velho, Seleuco Calínico.
“Porque ela
[Berenice] será entregue” — Laodice, não contente com
o envenenamento de seu marido, Antíoco, fez assassinar a Berenice e a seu filho
ainda na infância. “Os que a trouxeram.” Todos os seus assistentes e mulheres
egípcias, ao procurar defendê-la, foram mortos com ela. “E o que ela gerou, ”
margem, “o que ela trouxe”, a saber, seu filho, que foi assassinado ao mesmo
tempo por ordem de Laodice. “E o que a fortalecia naqueles tempos” (Almeida
RC), refere-se claramente a seu esposo e aos que a defenderam.
Versículos
7-9: Mas, de um renovo da linhagem dela, um se levantará em seu lugar, e
avançará contra o exército do rei do Norte, e entrará na sua fortaleza, e agirá
contra eles, e prevalecerá. Também aos seus deuses com a multidão das suas
imagens fundidas, com os seus objetos preciosos de prata e ouro levará como
despojo para o Egito; por alguns anos, ele deixará em paz o rei do Norte. Mas,
depois, este avançará contra o reino do rei do Sul e tornará para a sua terra.
Este
reino saído da mesma linhagem com Berenice, foi seu irmão, Ptolomeu Evergetes.
Sucedeu seu pai no trono do Egito, e tão logo se instalou, ardendo de vingança
pela morte de sua irmã Berenice, reuniu um imenso exército e invadiu o
território do rei do norte, ou seja, de Seleuco Calínico que, com sua mãe,
Laodice, reinava na Síria. Prevaleceu contra ele a ponto de conquistar a Síria,
Cilícia, as regiões mais além do Eufrates e para o leste até Babilônia. Mas ao
saber que se levantou no Egito uma sedição, exigindo sua volta, saqueou o reino
de Seleuco, tomando 40.000 talentos de prata e 2.500 imagens dos deuses. Entre
elas estavam as imagens que Cambises havia anteriormente levado do Egito a
Pérsia. Os egípcios, inteiramente entregues à idolatria, concederam a Ptolomeu
o título de Evergetes, ou o Benfeitor, como agradecimento por ele ter devolvido
seus deuses que estiveram tantos anos cativos.
“Ainda temos escritos que
confirmam vários desses detalhes. Apiano informa-nos que Laodice, tendo mandado
matar Antíoco, e depois dele a Berenice e seu filho, Ptolomeu, o filho de
Filadelfo, para vingar esses homicídios, invadiu a Síria, matou Laodice e prosseguiu
até Babilônia. De Políbio sabemos que Ptolomeu, de sobrenome Evergetes,
enfurecido pelo tratamento recebido por sua irmã Berenice, entrou na Síria com
um exército e tomou a cidade de Selêucia, que foi mantida alguns anos pelas
guarnições dos reis do Egito. Assim ele entrou ‘nas fortalezas do rei do Norte’
[Daniel 11:7, Almeida RC]. Poliênio afirma que Ptolomeu se fez dono de toda a
região desde o Monte Tauro até a Índia, sem guerra ou batalha, mas por engano
ele atribui isso ao pai em vez de ao filho. Justino afirma que se Ptolomeu não
tivesse sido chamado de volta ao Egito por uma sedição interna, teria possuído
todo o reino de Seleuco. Assim o rei do sul entrou no reino do norte e voltou à
sua própria terra. E ele também continuou mais anos que o rei do norte, pois
Seleuco Calínico morreu no exílio, de uma queda de cavalo. Ptolomeu Evergetes
sobreviveu por quatro ou cinco anos.” (Tomás Newton, Dissertations on the
Prophecies, vol. 1, p. 345, 346).
Versículo
10: Os seus filhos farão guerra e reunirão numerosas forças; um deles virá
apressadamente, arrasará tudo e passará adiante; e, voltando à guerra, a levará
até à fortaleza do rei do Sul.
A
primeira parte do versículo fala dos filhos, no plural; a última parte de um,
no singular. Os filhos de Seleuco Calínico foram Seleuco Cerauno e Antíoco
Magno. Ambos entraram com zelo na obra de vindicar e vingar a causa de seu pai
e seu país. O mais velho destes, Seleuco, ocupou primeiro o trono. Ele reuniu
uma grande multidão para recuperar os domínios de seu pai, mas foi envenenado
por seus generais após um curto e inglório reinado. Seu irmão, Antíoco Magno,
mais capaz que ele, foi então proclamado rei. Assumiu o encargo do exército,
retomou a Selêucia e recuperou a Síria, tornando-se senhor de alguns lugares
por tratado e de outros pela força das armas. Antíoco venceu na batalha a
Nicolau, o general egípcio, e pensava invadir o próprio Egito. Mas houve uma
trégua durante a qual ambos os lados negociaram a paz, embora preparando-se
para a guerra. Trata-se certamente de um filho que cumpriu a declaração:
“arrasará tudo e passará adiante”.
Versículo
11: Então, este se exasperará, sairá e pelejará contra ele, contra o rei do
Norte; este porá em campo grande multidão, mas a sua multidão será entregue nas
mãos daquele.
Conflito entre o norte e o sul — Ptolomeu Filopater sucedeu seu pai Evergetes como rei do Egito,
e recebeu a coroa pouco depois que Antíoco Magno sucedera seu irmão no governo
da Síria. Foi um príncipe amante do luxo e do vício, mas finalmente despertou
ante a perspectiva de uma invasão do Egito por Antíoco. Enfureceu-se pelas
perdas que havia sofrido e o perigo que o ameaçava. Reuniu um exército numeroso
para impedir o avanço do rei sírio. O rei do norte também poria “em campo
grande multidão”. O exército de Antíoco, segundo Políbio, contava com 62.000
infantes, 6.000 ginetes e 102 elefantes. Neste conflito, a batalha de Ráfia,
Antíoco foi derrotado, com quase 14.000 soldados mortos e 4.000 feitos
prisioneiros, e seu exército foi entregue nas mãos do rei do sul, em
cumprimento da profecia.
Versículo
12: A multidão será levada, e o coração dele se exaltará; ele derribará
miríades, porém não prevalecerá.
Ptolomeu
não soube aproveitar sua vitória. Tivesse ele prosseguido em seu êxito,
provavelmente se teria tornado senhor de todo o reino de Antíoco. Mas
satisfeito por fazer algumas ameaças, fez a paz para que pudesse entregar-se de
novo à descontrolada satisfação de suas paixões brutais. Assim, tendo vencido
seus inimigos, foi vencido por seus vícios e, esquecido do grande nome que
poderia ter conseguido, passou seu tempo em banquetes e sensualidade.
O coração
de Ptolomeu se elevou por seu êxito, mas ele estava longe de ser fortalecido por isso, pois o uso
infame que fez da vitória deu motivo a uma rebelião de seus próprios súditos
contra ele. Mas a exaltação de seu coração manifestou-se especialmente em seu
trato com os judeus. Chegando a Jerusalém, ofereceu sacrifícios e quis entrar
no lugar santíssimo do templo, contrariando a lei e a religião dos judeus. Ao
ser contido, embora com grande dificuldade, abandonou o lugar ardendo em ira
contra toda a nação dos judeus e imediatamente começou contra eles uma
perseguição implacável. Em Alexandria, onde os judeus tinham residido desde os
dias de Alexandre e desfrutado privilégios dos mais favorecidos cidadãos, foram
mortos 40.000 segundo Eusébio, ou 60.000 segundo Jerônimo. A rebelião dos
egípcios e a matança dos judeus certamente não o fortaleceram em seu trono, mas
antes contribuíram para arruiná-lo.
Versículo
13: Porque o rei do Norte tornará, e porá em campo multidão maior do que a
primeira, e, ao cabo de tempos, isto é, de anos, virá à pressa com grande
exército e abundantes provisões.
Os
eventos preditos neste versículo deviam ocorrer “ao cabo anos”. A paz concluída
entre Ptolomeu Filopater e Antíoco Magno durou catorze anos. Enquanto isso
Ptolomeu morreu de intemperança e orgia, e o sucedeu seu filho, Ptolomeu
Epifanes, que tinha então cinco anos. Antíoco, durante esse tempo, suprimiu a
rebelião em seu reino e reduziu à obediência as províncias orientais. Ficou,
pois, livre para qualquer empresa, quando o jovem Epifanes subiu ao trono do
Egito. Pensando que esta oportunidade era demasiado para deixá-la escapar,
formou um imenso exército “maior que o primeiro” e se pôs em marcha contra o
Egito, na esperança de alcançar fácil vitória sobre o rei infante.
Versículo
14: Naqueles tempos, se levantarão muitos contra o rei do Sul; também os dados
à violência dentre o teu povo se levantarão para cumprirem a profecia, mas
cairão.
Antíoco
Magno não foi o único que se levantou contra o infante Ptolomeu. Agatocles, seu
primeiro ministro, que se havia apoderado da pessoa do rei e conduzia os
negócios do reino em seu lugar, foi tão dissoluto e orgulhoso no exercício do
poder, que as províncias antes sujeitas ao Egito rebelaram-se. O próprio Egito
foi perturbado por sedições, e os alexandrinos, levantando-se contra Agatocles,
deram morte a ele, sua irmã, sua mãe e associados. Ao mesmo tempo Filipe da
Macedônia, entrou em aliança com Antíoco para dividir os domínios de Ptolomeu
entre eles, cada um propondo-se a tomar as partes que estivessem mais próximas
e lhes fossem mais convenientes. Tudo isso constituía um levante contra o rei
do sul suficiente para cumprir a profecia, e teve como resultado, sem dúvida,
os eventos precisos que a profecia anunciava.
Mas um
novo poder é agora introduzido: “os dados à violência dentre o teu povo”,
literalmente, diz Tomás Newton, “os quebrantadores do teu povo”. (Dissertations
on the Prophecies, vol. 1, p. 352). Longe, às margens do Tibre, havia um
reino que vinha nutrindo ambiciosos projetos e obscuros desígnios. Pequeno e
fraco a princípio, cresceu com admirável rapidez em força e vigor,
entendendo-se cautelosamente aqui e ali para tentar sua proeza e testar o vigor
de seu braço belicoso, até que, consciente de seu poder, ergueu com audácia a
cabeça entre as nações da Terra, e com mão invencível tomou a direção dos
negócios mundiais. Desde então o nome de Roma se destaca nas páginas da
história, pois está destinado a dominar o mundo por longos anos e exercer
poderosa influência entre as nações, mesmo até o fim do tempo, de acordo com as
profecias.
Roma falou, e a Síria e a Macedônia logo
perceberam que seu sonho mudava de aspecto. Os romanos interferiram em favor do
jovem rei do Egito, determinados que ele fosse protegido da ruína ideada por
Antíoco e Filipe. Era o ano 200 a.C., e foi uma das primeiras intervenções
importantes dos romanos nos negócios da Síria e do Egito. Rollin dá o seguinte
relato sucinto desta questão:
“Antíoco, rei da Síria, e Filipe,
rei da Macedônia, durante o reino de Ptolomeu Filopater haviam mostrado o mais
forte zelo pelos interesses daquele monarca e estavam dispostos a ajudá-lo em
todas as ocasiões. Mas, assim que ele morreu, deixando após si um infante, que
as leis de humanidade e justiça os comprometiam a não conturbar na posse do
reino de seu pai, imediatamente se uniram em aliança criminosa e se excitaram a
eliminar o herdeiro legal e dividir seus domínios. Filipe teria a Caria, a
Líbia, a Cirenaica e o Egito; Antíoco, todo o resto. Com isto em vista, o
último entrou na Celesíria e Palestina, e em menos de duas campanhas fez a
conquista inteira dessas províncias, com todas as suas cidades e dependências.
A culpa de ambos, diz Políbio, não teria sido tão flagrante se, como tiranos,
tivessem se esforçado para cobrir seus crimes com alguma desculpa capciosa.
Mas, longe de fazer isso, sua injustiça e crueldade foram tão descaradas que a
ele se aplicam o que geralmente se diz dos peixes, que, embora da mesma
espécie, o maior engole o menor. Alguém seria tentado, prossegue o mesmo autor,
ao ver as leis da sociedade, tão abertamente violadas, a acusar abertamente a
Providência de ser indiferente e insensível aos crimes mais horrendos. Mas isso
justificou plenamente sua conduta ao punir dois reis como mereciam; e fez tal
exemplo deles para impedir outros de seguir tal exemplo em todos os séculos
sucessivos. Porque enquanto pensavam no despojo de um fraco e desamparado
infante, fazendo seu reino aos pedaços, a Providência suscitou os romanos
contra eles, que subverteram os reinos de Filipe e Antíoco e reduziram seus
sucessores a quase tão grandes calamidades como as que pretenderam esmagar o rei
infante.” (Carlos Rollin, Ancient History, vol. 5, p. 305, 306).
“Para cumprirem a profecia” — Os romanos são, mais notavelmente que qualquer outro povo, o
tema da profecia de Daniel. Sua primeira interferência nos negócios desses
reinos é aqui referida como o estabelecimento ou confirmação da verdade da
visão que predisse a existência de tal potência.
“Mas cairão” — Alguns aplicam isso aos “muitos” mencionados na primeira parte
do verso, que se coligariam contra o rei do sul. Outros, aos dissipadores do
povo de Daniel, os romanos. Aplicam-se ambos os casos. Se se refere aos que se
aliaram contra Ptolomeu, tudo o que precisa ser dito é que rapidamente caíram.
Se isso se aplica aos romanos, a profecia simplesmente aponta para o período de
sua derrota.
Versículo
15: O rei do Norte virá, levantará baluartes e tomará cidades fortificadas; os
braços do Sul não poderão resistir, nem o seu povo escolhido, pois não haverá
força para resistir.
A
educação do jovem rei do Egito foi confiada pelo senado romano a Marcos Emílio
Lépido, que nomeou como seu tutor a Aristomenes, velho e experiente ministro
daquela corte. Seu primeiro ato foi tomar medidas contra a ameaça da invasão
dos dois reis confederados, Filipe e Antíoco.
Para este
fim ele despachou Scopas, famoso general da Etólia, então a serviço dos
egípcios, a seu país natal para levantar reforços armados. Tendo equipado um
exército, marchou para a Palestina e Celesíria (pois Antíoco estava empenhado
numa guerra com Átalo na Ásia Menor) e submeteu toda a Judeia à autoridade do
Egito.
Assim os negócios foram colocados numa postura
para o cumprimento do versículo que consideramos. Antíoco, desistindo de sua
guerra com Átalo a mando dos romanos, deu passos rápidos para a recuperação da
Palestina e Celesíria das mãos dos egípcios. Scopas foi mandado contra ele.
Perto das fontes do Jordão, os dois exércitos se encontraram. Scopas foi
derrotado, perseguido até Sidom e ali estreitamente cercado. Três dos melhores
generais do Egito, com suas melhores forças, foram enviados para levantar o
cerco, mas sem êxito. Finalmente Scopas encontrando, no macilento e intangível
espectro da fome, um inimigo que não poderia enfrentar foi forçado a
entregar-se na desonrosa condição de salvar somente a vida. Ele e seus 10.000 homens
foram deixados partir, despojados de tudo e indigentes. Assim se cumpriu a
predição referente ao rei do norte: “tomará cidades fortificadas”, pois Sidom
era, por sua situação e suas defesas, uma das mais fortes cidades daqueles
tempos. Assim foi como os braços do sul não puderam permanecer, nem o povo
escolhido por tal reino, a saber, Scopas e suas forças de Etólia.
Versículo
16: O que, pois, vier contra ele fará o que bem quiser, e ninguém poderá
resistir a ele; estará na terra gloriosa, e tudo estará em suas mãos.
Roma conquista a Síria e Palestina — Embora o Egito não pudesse resistir diante de Antíoco Magno, o
rei do norte, Antíoco Asiático não pôde resistir aos romanos, que vieram contra
ele. Nenhum reino podia resistir ao poder nascente. A Síria foi conquistada e
acrescentada ao império romano, quando Pompeu, em 65 a.C., privou Antíoco
Asiático de suas possessões e reduziu a Síria a uma província romana.
A mesma potência também se destacaria na Terra
Santa e a consumiria. Os romanos se relacionaram com o povo de Deus, os judeus,
por aliança, em 161 a.C. Desde então Roma ocupou lugar de realce no calendário
profético. Contudo, não adquiriu jurisdição sobre a Judeia por real conquista
até o ano 63 a.C.
Na volta de Pompeu de sua expedição contra
Mitrídates Eupator, rei do Ponto, dois concorrentes, Hircano e Aristóbulo,
lutavam pela coroa da Judeia. Sua causa foi apresentada a Pompeu, que logo
percebeu a injustiça das pretensões de Aristóbulo, mas desejava protelar a
decisão do assunto para depois de sua há muito desejada expedição à Arábia.
Prometeu então voltar e estabelecer seus negócios da maneira mais justa e
adequada. Aristóbulo, sondando os reais sentimentos de Pompeu, voltou depressa
à Galileia, armou seus súditos e preparou-se para uma vigorosa defesa,
determinado a manter a coroa a qualquer custo, que ele previu seria adjudicada
a outro. Depois de sua campanha contra o rei Aretas, Pompeu soube dos
preparativos bélicos e marchou contra a Judeia. Quando ele se aproximou de
Jerusalém, Aristóbulo começou a arrepender-se de seu procedimento e procurou
acomodar os negócios, prometendo inteira submissão e grandes somas de dinheiro.
Pompeu aceitou esta oferta e mandou Gabino com um destacamento de soldados para
receber o dinheiro. Mas quando o lugar-tenente chegou a Jerusalém, encontrou as
portas fechadas e foi-lhe dito do alto das muralhas que a cidade não manteria o
acordo.
Pompeu, para não ser enganado assim com
impunidade, aprisionou Aristóbulo e imediatamente marchou contra Jerusalém com
todo o seu exército. Os partidários de Aristóbulo queriam defender o lugar; os
de Hircano preferiam abrir as portas. Sendo estes a maioria, prevaleceram, e a
Pompeu foi dada livre entrada na cidade. Nisso os adeptos de Aristóbulo
retiraram-se para os montes do templo, tão plenamente determinados a defender
esse lugar que Pompeu se viu obrigado a sitiá-lo. Ao fim de três meses foi
feita no muro uma brecha suficiente para um assalto e o lugar foi tomado ao fio
da espada. Na terrível matança que se seguiu, 12.000 pessoas foram mortas. Era
um espetáculo impressionante, observa o historiador, ver os sacerdotes, na
ocasião empenhados no serviço divino, com mão calma e firme propósito de
prosseguir em sua obra costumeira, aparentemente inconscientes do selvagem tumulto,
embora seu próprio sangue estivesse sendo misturado com o dos sacrifícios que
ofereciam.
Tendo posto fim à guerra, Pompeu demoliu os
muros de Jerusalém, transferiu várias cidades da jurisdição da Judeia para a
Síria e impôs tributo aos judeus. Assim, pela primeira vez Jerusalém foi
colocada mediante conquista nas mãos daquela potência que havia de manter a
“terra gloriosa” em suas garras de ferro até que a houvesse consumido.
Versículo
17: Resolverá vir com a força de todo o seu reino, e entrará em acordo com ele,
e lhe dará uma jovem em casamento, para destruir o seu reino; isto, porém, não
vingará, nem será para a sua vantagem.
Tomás
Newton dá outra interpretação a este versículo, que parece mais claramente
expressar o sentido: “Ele também voltará o rosto a entrar pela força em todo o
reino.” (Dissertations on the Prophecies, vol. 1, p. 356).
Roma invade
o reino do sul — O versículo 16 nos levou
até a conquista da Síria e a Judeia pelos romanos. Roma havia anteriormente
vencido a Macedônia e a Trácia. O Egito era agora tudo que restou do “todo o
reino” de Alexandre, que não tivesse sido reduzido à sujeição ao poder romano.
Roma decidiu então a entrar pela força na terra do Egito.
Ptolomeu Auletes morreu em 51 a.C. Deixou a
coroa e o reino do Egito à mais velha de suas filhas sobreviventes, Cleópatra,
e a seu filho mais velho, Ptolomeu III, menino de 9 ou 10 anos. Ordenava em seu
testamento que eles deveriam casar-se e reinar conjuntamente. Como eram jovens,
foram colocados sob a tutela dos romanos. O povo romano aceitou o encargo e
nomeou Pompeu tutor dos jovens herdeiros do Egito.
Logo
surgiu uma querela entre Pompeu e Júlio César, uma disputa que culminou na
famosa batalha de Farsália. Derrotado, Pompeu fugiu para o Egito. César
imediatamente o seguiu até lá, mas antes de sua chegada Pompeu foi vilmente
assassinado por instigação de Ptolomeu. César assumiu então a tutela de
Ptolomeu e Cleópatra. Ele encontrou o Egito em comoção por distúrbios internos,
pois Ptolomeu e Cleópatra tornaram-se mutuamente hostis, visto que ela ficou
privada de sua parte no governo.
Crescendo diariamente as dificuldades, César
achou sua pequena força insuficiente para manter sua posição e, não podendo
sair do Egito por causa do vento norte que soprava naquela estação, mandou vir
da Ásia todas as tropas que ele tinha naquela região.
Júlio César decretou que Ptolomeu e Cleópatra
desobrigassem seus exércitos, comparecessem diante dele para liquidar suas
diferenças e acatarem sua decisão! Sendo o Egito um reino independente, este
decreto foi considerado uma afronta à sua dignidade real, e os egípcios
enfurecidos, recorreram às armas. César respondeu que agia autorizado pelo
testamento do pai dos príncipes, Ptolomeu Auletes, que colocava seus filhos sob
a tutela do senado e povo de Roma.
A questão foi finalmente apresentada diante
dele, e advogados foram nomeados para defender a causa das respectivas partes.
Cleópatra, conhecendo o ponto fraco do grande general romano, decidiu
comparecer perante ele em pessoa. Para chegar à presença dele sem ser vista,
ela recorreu à seguinte estratagema: Deitou-se de corpo inteiro numa trouxa de
roupas dentro da qual a embrulhou Apolodoro, seu servo siciliano; e depois de
atar o fardo com uma tenaz, ergueu-a em seus hercúleos ombros e se dirigiu ao
alojamento de César. Alegando ter um presente para o general romano, foi
admitido à presença de César e depositou o fardo a seus pés. Quando César
desatou essa trouxa animada, eis que a bela Cleópatra se pôs diante dele.
Quanto a este incidente, diz F. E.
Adcock:
“Cleópatra tinha direito de ser
ouvida se César fosse o juiz, e buscou chegar à cidade e encontrar um barqueiro
que a levasse até ele. Veio, viu e venceu. Às dificuldades militares que havia
para retirar-se ante o exército egípcio, acrescentou-se o fato de que César já
não queria ir. Tinha mais de 50 anos, mas conservava uma susceptibilidade
imperiosa que evocava a admiração de seus soldados. Cleópatra tinha 22 anos,
era tão ambiciosa e de tão elevada têmpera como o próprio César, e resultou ser
uma mulher a qual podia compreender, admirar e amar.” (The Cambridge Ancient
History, vol. 9, p. 670).
César
finalmente decretou que o irmão e a irmã ocupassem o trono juntamente, de
acordo com a intenção do testamento. Potinus, o principal ministro de estado,
tendo sido o instrumento responsável da expulsão de Cleópatra do trono, temeu o
resultado de sua restauração. Por isso ele começou a despertar ciúme e
hostilidade contra César, insinuando entre o populacho que se propunha dar todo
o poder a Cleópatra. Não tardou a estalar uma sedição. Os egípcios buscaram
destruir a frota romana. César revidou queimando a deles. Visto que alguns dos
navios incendiados foram impelidos contra o cais, vários dos edifícios da
cidade pegaram fogo e a famosa biblioteca de Alexandria, contendo cerca de
400.000 volumes, foi destruída. Antipater, o Idumeu, juntou-se a ele, com 3.000
judeus. Estes, que dominavam os desfiladeiros que davam entrada ao Egito,
permitiram que passasse o exército romano sem interrupção. A chegada desse
exército de judeus sob Antipater ajudou a decidir a contenda.
Uma batalha decisiva foi travada perto do
Nilo, entre as frotas do Egito e de Roma, resultando uma completa vitória de
César. Ptolomeu, tentando escapar, se afogou no rio. Alexandria e todo o Egito
se submeteram ao vencedor. Roma tinha entrado agora em todo o reino original de
Alexandre e o havia absorvido.
A referência que em algumas versões faz aqui
aos “justos”, significa sem dúvida os judeus, que deram a Júlio César a ajuda
já mencionada. Sem isso ele teria fracassado; graças a ela, subjugou
completamente o Egito no ano 47 a.C.
“Uma filha das mulheres, para a
corromper” (Almeida RC) foi Cleópatra, que tinha sido a querida de César, e lhe
dera um filho. O feitiço da rainha o manteve mais tempo no Egito do que seus
negócios requeriam. Passava noites inteiras em banquetes e orgias com a rainha
dissoluta. “Mas ela não subsistirá, nem será para ele” (Almeida RC), dissera o
profeta. Cleópatra uniu-se depois a Antônio, o inimigo de César Augusto, e
exerceu todo o seu poder contra Roma.
Versículo
18: Depois, se voltará para as terras do mar e tomará muitas; mas um príncipe
fará cessar-lhe o opróbrio e ainda fará recair este opróbrio sobre aquele.
A guerra
que sustentaria na Síria e Ásia Menor contra Farnaces, rei do Bósforo
Cimeriano, expulsou Júlio César do Egito. “Na sua chegada onde estava o
inimigo”, diz Prideaux, “sem dar qualquer sossego a si mesmo ou a eles,
imediatamente os atacou e obteve absoluta vitória sobre eles. Por causa disso
escreveu a um amigo nestas três palavras: Veni, vidi, vici! (Vim, vi e venci”).
(Humphrey Prideaux, The Old Testament Connected in the History of the
Jews, vol. 2, p. 312).
A última
parte deste versículo está envolta em certa obscuridade e há divergência de
opinião quanto à sua aplicação. Alguns a aplicam a um momento anterior da vida
de César, e pensam ver seu cumprimento em sua disputa com Pompeu. Mas outros
eventos anteriores e posteriores na profecia nos compelem a buscar o
cumprimento desta parte da predição entre a vitória sobre Farnaces e a morte de
César em Roma, como apresentada no versículo seguinte.
Versículo
19: Então, voltará para as fortalezas da sua própria terra; mas tropeçará, e
cairá, e não será achado.
Depois de
sua conquista da Ásia Menor, César derrotou os últimos fragmentos que restaram
do partido de Pompeu, sob Catão e Cipião na África, e sob Labieno e Varus na
Espanha. Voltando a Roma, as “fortalezas de sua própria terra”, foi feito ditador
perpétuo. E lhe foram concedidos outros poderes e honras que o tornaram de fato
soberano de todo o império. Mas o profeta dissera que ele tropeçaria e cairia.
A linguagem empregada implica que sua queda seria súbita e inesperada, como a
de uma pessoa que acidentalmente tropeça em seu caminho. E assim este homem,
que havia lutado e ganho cinquenta batalhas e tomado mil cidades, caiu, não no
fragor da batalha, mas quando ele pensava que seu caminho fosse plano e que o
perigo estava afastado.
“À véspera da partida, César
jantou com Lépido e, enquanto os hóspedes estavam sentados diante do vinho,
alguém perguntou: ‘De que morte é melhor morrer?’ César que estava ocupado
assinando cartas disse: ‘De morte repentina.’ Às doze do dia seguinte, apesar dos
sonhos e predições, sentou-se em sua cadeira no Senado, rodeado de homens a
quem atendera, dado posição e salvo. Ali foi ferido, e lutou até cair aos pés
da estátua de Pompeu.” (The Cambridge Ancient History, vol. 9, p. 738).
Assim
tropeçou de repente, caiu, e não apareceu mais, em 44 a.C.
Versículo
20: Levantar-se-á, depois, em lugar dele, um que fará passar um exator pela
terra mais gloriosa do seu reino; mas, em poucos dias, será destruído, e isto
sem ira nem batalha.
Aparece Augusto, o exator — Otávio sucedeu a seu tio Júlio que o havia adotado. Anunciou
publicamente esta adoção pelo tio e tomou seu nome. Uniu-se com Marco Antônio e
Lépido para vingar a morte de Júlio César. Os três organizaram uma forma de
governo chamado triunvirato. Ao Otávio ser estabelecido firmemente no império,
o senado conferiu-lhe o título de “Augusto”, e tendo agora morto os outros
membros do triunvirato, ele se tornou supremo governante.
Foi na
verdade um exator — Lucas, falando do que
aconteceu no tempo em que Cristo nasceu, diz: “E sucedeu naqueles dias, que
saiu um decreto da parte de César Augusto ordenando que todo mundo se
alistasse.” Lucas 2:1. Era evidentemente para a cobrança de impostos, como
indicam certas versões. Durante o reinado de Augusto, “impuseram-se novas
contribuições; uma quarta parte da renda anual de todos os cidadãos e um
tributo capital de um oitavo de todos os livres.” (The Cambridge Ancient
History, vol. 9, p. 738).
Estava “na
glória do reino” — Roma chegou ao pináculo
de sua grandeza e poder durante a era de Augusto. O império jamais viu uma era
mais esplendorosa. Reinava a paz, mantinha-se a justiça, freava-se o luxo,
confirmava-se a disciplina e se incentivava o ensino. Durante seu reino, o
templo de Janus foi fechado três vezes, significando que todo o mundo estava em
paz. Desde a fundação do Império Romano esse templo havia sido fechado só duas
vezes antes. Nesse momento auspicioso nosso Senhor nasceu em Belém de Judeia.
Em pouco menos de dezoito anos depois de apresentado o censo mencionado, quer
dizer apenas “poucos dias” ao distante olhar do profeta, Augusto morreu, não em
ira nem em batalha, mas pacificamente em seu leito, em Nola, aonde ele fora
buscar repouso e saúde, em 14 d.C., aos 76 anos de idade.
Versículo
21: Depois, se levantará em seu lugar um homem vil, ao qual não tinham dado a
dignidade real; mas ele virá caladamente e tomará o reino, com intrigas.
Tibério corta o Príncipe da aliança — Tibério César sucedeu a César Augusto no trono romano. Foi
elevado ao consulado aos 29 anos de idade. A história nos diz que quando
Augusto estava para nomear seu sucessor, sua esposa Lívia pediu que ele
nomeasse Tibério, seu filho com o marido anterior. Mas o imperador disse: “Seu
filho é demasiado vil para usar a púrpura de Roma.” Preferiu a Agripa, cidadão
romano virtuoso e muito respeitado. Mas a profecia tinha predito que “um homem
vil” sucederia Augusto. Agripa morreu e Augusto ainda estava com necessidade de
escolher sucessor. Lívia renovou sua intercessão em favor de Tibério, e
Augusto, enfraquecido pela idade e a doença, foi mais facilmente lisonjeado e
finalmente concordou em nomear, como colega e sucessor, aquele jovem “vil”. Mas
os cidadãos nunca lhe deram o amor, o respeito e a “dignidade real” devidos a
um soberano íntegro e fiel.
Quão claro cumprimento é isso da predição de
que não lhe dariam a dignidade real! Mas ele havia de entrar pacificamente e
obter o reino por meio de lisonjas. Vejamos como isso se cumpriu:
“Durante o restante da vida de
Augusto, ele [Tibério] se portou com grande prudência e habilidade, concluindo
uma guerra com os germanos de tal maneira que mereceu triunfo. Após a derrota
de Varo e suas legiões, foi mandado a impedir o avanço dos vitoriosos germanos
e atuou naquela guerra com igual espírito e prudência. Ao morrer Augusto, ele o
sucedeu (14 d.C.) sem oposição, na soberania do império, a qual com sua
característica de dissimulação, fingiu declinar, até repetidamente solicitado
pelo senado servil.” (American Encyclopedia, ed. 1849, vol. 12, p. 251, art.
“Tibério”).
Dissimulação
de sua parte, lisonja da parte do senado servil e uma posse do reino sem
oposição — tais foram as circunstâncias que acompanharam sua ascensão ao trono
e cumpriram a profecia.
O personagem apresentado no texto é chamado
“um homem vil”. Foi esse o caráter de Tibério? Outro parágrafo da Enciclopédia
responde:
“Tácito registra os eventos de
seu reinado, inclusive a suspeita morte de Germânico, a detestável
administração de Sejano, o envenenamento de Druso, com toda a extraordinária
mistura de tirania com a sabedoria e bom senso que ocasionalmente distinguiram
a conduta de Tibério, até seu infame e dissoluto afastamento (26 d.C.) para a
ilha de Capri, na baía de Nápoles, para não mais voltar a Roma. [...] O restante
do reinado deste tirano é pouco mais que uma enfadonha narrativa de servilismo
por um lado e de despótica ferocidade por outro. Que ele mesmo suportou tanta
miséria quanto infligiu a outros, é evidente pelo seguinte início de uma de
suas cartas ao senado: ‘O que vos escreverei, pais conscritos, ou o que não
escreverei, ou por que devia escrevê-lo, que os deuses e as deusas me castiguem
mais do que eu sinto diariamente que eles estão fazendo, se posso dizer!’ ‘Que
tortura mental’, observa Tácito, com referência a esta passagem, "que pôde
arrancar tal confissão!" (Idem)
Se a
tirania, a hipocrisia, a orgia e a embriaguez ininterruptas são traços e
práticas que mostram ser um homem vil, Tibério exibiu esse caráter com
perfeição.
Versículo
22: As forças inundantes serão arrasadas de diante dele; serão quebrantadas,
como também o príncipe da aliança.
Tomás
Newton apresenta a seguinte interpretação como mais de acordo com o original:
“E os braços do que inunda serão superados diante dele e serão quebrados.” (Dissertations
on the Prophecies, vol. 1, p. 363). Isso significa revolução e violência; e
como cumprimento veremos os braços de Tibério ser suplantados ou, em outras
palavras, vê-lo sofrer morte repentina. Para mostrar como isso se realizou,
recorremos de novo à Enciclopédia Americana, verbete Tibério:
“Agindo como hipócrita até o fim,
ele disfarçou sua crescente debilidade tanto quanto pôde, fingindo até
participar dos esportes e exercícios dos soldados de sua guarda. Finalmente,
deixando sua ilha favorita, cenário das mais desgastantes orgias, ele parou
numa casa de campo perto do promontório de Micenum, onde, em 16 de março de 37
d.C., caiu numa letargia em que pareceu morto. Calígula se estava preparando
com uma numerosa escolta para tomar posse do império, quando seu súbito
despertar deixou a todos em consternação. Nesse instante crítico, Macro, o
prefeito pretoriano o fez ser sufocado com travesseiros. Assim expirou
universalmente execrado o imperador Tibério aos 68 anos de idade, no vigésimo
terceiro de seu reinado.” (American Encyclopedia, ed. 1849, vol. 12, p. 251,
252, art. “Tibério”)
Depois de
levar-nos até a morte de Tibério, o profeta menciona um acontecimento que se
produziria durante o reinado, tão importante que não devia ser passado por alto.
É o quebrantamento do Príncipe da aliança, ou seja, a morte de nosso Senhor
Jesus Cristo, “o Messias Príncipe”, que por uma semana havia de confirmar a
aliança com Seu povo.
Segundo a Escritura, a morte de Cristo ocorreu
no reinado de Tibério. Lucas nos informa que no décimo quinto ano do reinado de
Tibério César, João Batista começou seu ministério (Lucas 3:1-3). O reinado de
Tibério deve ser computado, segundo Prideaux (The Old Testament Connected on
the History of the Jews, vol. 2, p. 423), o Dr. Hales (A New Analysis of
Chronology, vol. 3, p. 1), e outros, o reinado de Tibério deve contar-se
desde sua elevação ao trono para reinar junto com Augusto, seu padrasto, em
agosto do ano 12 a.C. Seu décimo quinto ano seria, portanto, de agosto de 26
d.C. a agosto de 27 d.C. Cristo era seis meses mais jovem que João, e se supõe
que Ele começou Seu ministério seis meses mais tarde, visto que ambos, se
acordo com a lei do sacerdócio, iniciavam sua obra quando tinham trinta anos de
idade. Se João começou seu ministério na primavera, na última parte do décimo
quinto ano de Tibério, isso colocaria o início do ministério de Cristo no
outono de 27 d.C. E justamente aqui as melhores autoridades colocam o batismo
de Cristo, sendo o ponto exato onde terminaram os 483 anos que desde 457 a.C.
deviam estender-se até o Messias, o Príncipe. Então Cristo saiu a proclamar que
o tempo estava cumprido. Deste ponto avançamos três anos e meio para achar a
data da crucifixão, pois Cristo assistiu a quatro Páscoas e foi crucificado na
quarta. Três anos e meio mais, contando do outono de 27 d.C., nos levam à
primavera de 31 d.C. A morte de Tibério ocorreu apenas seis anos mais tarde, em
37 d.C. (Ver comentários sobre Daniel 9:25-27).
Versículo
23: Apesar da aliança com ele, usará de engano; subirá e se tornará forte com
pouca gente.
Roma entra em coligação com os judeus — O pronome “ele” referente à pessoa com quem se faz a aliança,
deve ser o mesmo poder que tem sido o assunto da profecia a partir do versículo
14: o Império Romano. Que este é o caso é demonstrado no cumprimento da
profecia em três personagens, que sucessivamente governaram o império romano:
Júlio César, Augusto e Tibério.
Tendo nos levado através dos eventos da
história secular do Império Romano até o fim das setenta semanas de Daniel
9:24, o profeta leva-nos de volta ao tempo em que os romanos se tornaram
diretamente ligados ao povo de Deus, pela coligação com os judeus, em 161 a.C.
Desse ponto somos levados numa linha direta de eventos até o triunfo final da igreja
e o estabelecimento do reino eterno de Deus. Os judeus, sendo gravemente
oprimidos pelos reis sírios, enviaram um embaixador a Roma, para solicitar o
auxílio dos romanos e unir-se numa “liga de amizade e confederação com eles.” (Ver 1 Macabeus 8; Humphrey
Prideaux, The Old and New Testament Connected of the Jews, vol. II, 166). Os romanos atenderam o pedido dos judeus e lhes outorgaram um
decreto, nestas palavras:
“‘O decreto do senado acerca de
uma liga de assistência e amizade com a nação dos judeus. Não será legítimo a
nenhum súdito dos romanos fazer guerra à nação dos judeus, nem ajudar os que a
fazem, seja pelo envio de trigo, navios ou dinheiro. Se algum ataque se fizer
aos judeus, os romanos os assistirão o quanto puderem; e também se algum ataque
for feito aos romanos, os judeus os ajudarão. E se os judeus pretenderem
acrescentar ou tirar alguma coisa desta liga de assistência, isso se fará com o
consenso dos romanos. E qualquer acréscimo assim feito vigorará.’ Este decreto
foi escrito por Eupolemus, o filho de João, e por Jason, o filho de Eleazar,
quando Judas era sumo sacerdote da nação e Simão, seu irmão, general do
exército. Esta foi a primeira liga que os romanos fizeram com os judeus e foi
administrada desta maneira.” (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, livro 12,
cap. 10, se. 6).
Nesse
tempo os romanos eram um pequeno povo e começaram a agir enganosamente, ou com
astúcia, como a palavra significa. E deste esse tempo foram-se elevando
constante e rapidamente até chegar ao apogeu do poder.
Versículo
24: Virá também caladamente aos lugares mais férteis da província e fará o que
nunca fizeram seus pais, nem os pais de seus pais: repartirá entre eles a
presa, os despojos e os bens; e maquinará os seus projetos contra as
fortalezas, mas por certo tempo.
Antes dos
dias de Roma, as nações entravam em valiosas províncias e rico território por
guerra e conquista. Roma ia agora fazer o que não tinha sido feito pelos pais
ou os pais dos pais, ou seja, receber estas aquisições por meios pacíficos.
Inaugurou-se então o costume de que os reis deixassem por legação seus reinos
aos romanos. Roma entrou na posse de grandes províncias desta maneira.
Os que assim passavam a depender de Roma
obtinham grande vantagem. Eram tratados com bondade e indulgência. Era como se
a presa e o despojo fossem distribuído entre eles. Foram protegidos de seus
inimigos e descansaram em paz e segurança sob a égide do poder romano.
Até a última parte deste versículo, Tomás
Newton dá a ideia de formar desígnios desde as fortalezas, em
vez de contra elas. Isto os romanos fizeram desde a poderosa
fortaleza de sua cidade fortificada de sete colinas. “Mesmo por um tempo”, sem
dúvida um período profético, de 360 anos. De que ponto estes anos devem ser
datados? Provavelmente do acontecimento apresentado no versículo
seguinte.
Versículo
25: Suscitará a sua força e o seu ânimo contra o rei do Sul, à frente de grande
exército; o rei do Sul sairá à batalha com grande e mui poderoso exército, mas
não prevalecerá, porque maquinarão projetos contra ele.
Roma contende com o rei do sul — Os versículos 23 e 24 nos levam a desde a liga entre os judeus e
os romanos, em 161 a.C., até o tempo em que Roma adquiriu domínio universal. O
versículo agora em estudo nos apresenta uma vigorosa campanha contra o rei do
sul, o Egito, e uma grande batalha entre poderosos exércitos. Ocorreram tais
eventos na história de Roma por esse tempo? Sim. Houve uma guerra entre o Egito
e Roma e a batalha foi a de Actium. Consideremos brevemente as circunstâncias
que conduziram a este conflito.
Marco Antônio, César Augusto e Lépido
constituíram o Triunvirato que jurara vingar a morte de Júlio César. Antônio
tornou-se cunhado de Augusto ao casar-se com sua irmã Otávia. Foi enviado ao
Egito em missão governamental, mas caiu vítima dos encantos de Cleópatra, a
dissoluta rainha. Tão avassaladora foi a paixão que por ela concebeu que
finalmente abraçou os interesses egípcios, repudiou sua esposa Otávia, para
agradar Cleópatra, e concedeu a esta uma província após outra. Celebrou um
triunfo em Alexandria em vez de em Roma e cometeu outras tanta afrontas contra
o povo romano, que Augusto não teve dificuldade em levar este povo a empreender
uma vigorosa guerra contra o Egito. A guerra era ostensivamente contra o Egito
e Cleópatra, mas era realmente contra Antônio, que estava agora à frente dos
negócios egípcios. A verdadeira causa de seu conflito era, diz Prideaux, que
nenhum deles podia contentar-se com apenas metade do império romano. Lépido
tinha sido deposto do Triunvirato, os dois se repartiam o governo do império.
Cada qual, estando determinado a possuir o todo, lançaram a sorte da
guerra.
Antônio reuniu sua esquadra em Samos.
Quinhentos navios de guerra, de extraordinário tamanho e estrutura, tendo
vários tombadilhos, um acima do outro, com torres na proa e na popa, formavam
um imponente e formidável aparato. Esses navios transportavam 125.000 soldados.
Os reis da Líbia, Cilícia, Capadócia, Papflagonia, Comagena e Trácia estavam lá
pessoalmente; e os do Ponto, da Judeia, Licaônia, Galácia e Média, mandaram
suas tropas. O mundo raramente vira mais esplêndido e movimentado espetáculo
militar que esta frota de navios de guerra, quando estendiam suas velas e se
moviam sobre o seio do mar. Superando a todos em magnificência chegou a galera
de Cleópatra, que flutuava como um palácio de ouro sob uma nuvem de velas
purpúreas. Suas bandeiras e bandeirolas ao vento, trombetas e outros
instrumentos de guerra, fizeram os céus ressoar com notas de alegria e triunfo.
António seguia logo atrás numa galera de quase igual magnificência.
Augusto, por outro lado, exibiu menos pompa,
porém, mais utilidade. Ele tinha apenas metade de navios em relação aos de
Antônio e apenas 80.000 infantes. Mas eram todos homens escolhidos e a bordo de
sua frota só havia marinheiros experientes, ao passo que Antônio, não
encontrando marinheiros suficientes, tinha sido obrigado manobrar seus navios
com artesãos de toda classe, homens inexperientes e mais bem adequados para
atrapalhar do que para prestar real serviço em tempo de batalha. Como se tinha
consumido grande parte da estação nestes preparativos, Augusto ordenou a seus
navios que se reunissem em Brundusi, e Antônio em Corcira, até o ano
seguinte.
Na primavera, ambos os exércitos se puseram em
movimento, por terra e por no mar. As frotas finalmente entraram no Golfo de
Ambrácia, no Egito, e as forças terrestres foram dispostas em cada margem,
plenamente visíveis. Os mais experientes generais de Antônio o aconselhavam a
não arriscar uma batalha naval com seus marujos inexperientes, mas que mandasse
Cleópatra de volta ao Egito, ir apressadamente à Trácia ou à Macedônia, e
confiar o desfecho a suas forças terrestres, que eram tropas veteranas. Mas
ele, ilustrando o velho adágio: “A quem Deus quer destruir, primeiro
enlouquece”, deixou prevalecer sua vaidade por Cleópatra, e parecia apenas
desejoso de agradar a ela. Esta, confiando só em aparências, considerava sua
frota invencível e aconselhou ação imediata.
A batalha foi travada em 2 de setembro de 31
a.C., na foz do golfo de Ambrácia, perto da cidade de Actium. O que estava em
jogo entre estes rudes guerreiros, Antônio e César, era o domínio do mundo. O
conflito, indubitavelmente longo, foi finalmente decidido pela conduta de
Cleópatra. Assustada pelo calor da batalha, fugiu quando não havia perigo,
levando após si toda a frota egípcia, que contava com 60 navios. Antônio, ao
ver esse movimento e esquecendo de tudo, menos por sua cega paixão por ela,
seguiu-a precipitadamente, e entregou a Augusto uma vitória, que ele poderia
ter obtido se suas forças egípcias lhe tivessem sido leais, ou se ele se
tivesse sido fiel a sua própria honra.
Essa batalha assinala, sem dúvida, o início do
“tempo” mencionado no versículo 24. Como durante este “tempo” planos deviam ser
lançados desde a fortaleza, ou Roma, devemos concluir que no fim daquele
período cessaria a supremacia ocidental, ou ocorreria no império uma mudança
tal que aquela cidade não mais seria considerada a sede do governo. De 31 a.C.,
um tempo profético, ou 360 anos, nos traria ao ano 330 d.C. E torna-se um fato
digno de nota que a sede do império foi removida de Roma para Constantinopla
por Constantino, o Grande nesse mesmo ano. (Ver American Encyclopedia,
verbete Constantinopla). Versículo
26: Os que comerem os seus manjares o destruirão, e o exército dele será
arrasado, e muitos cairão traspassados.
Antônio foi abandonada por seus aliados e
amigos, os que comiam seus manjares. Cleópatra, como já foi descrito,
subitamente se retirou da batalha, levando sessenta navios de linha. O exército
terrestre, desgostado com a enfatuação de Antônio, passou-se para Augusto, que
recebeu os soldados de braços abertos. Quando Antônio chegou à Líbia achou que
as forças que lá havia deixado sob Scarpus para guardar a fronteira, se haviam
debandado para César e no Egito suas forças se renderam. Em raiva e desespero,
tirou a própria vida.
Versículo
27: Também estes dois reis se empenharão em fazer o mal e a uma só mesa falarão
mentiras; porém isso não prosperará, porque o fim virá no tempo determinado.
Antônio e
Augusto foram anteriormente aliados. Contudo, sob o disfarce da amizade, ambos
aspiravam ao domínio universal e lutavam para consegui-lo. Seus protestos de
amizade mútuas eram expressões de hipócritas. Falavam mentiras numa só mesa.
Otávia, mulher de Antônio e irmã de Augusto, declarou ao povo de Roma, quando
Antônio se divorciou dela, que ela havia consentido em desposá-lo com a única
esperança de que isso garantiria a união entre Antônio e Augusto. Mas esse
recurso não prosperou. Veio a ruptura e, no conflito que se seguiu, Augusto
saiu inteiramente vitorioso.
Versículo
28: Então, o homem vil tornará para a sua terra com grande riqueza, e o seu
coração será contra a santa aliança; ele fará o que lhe aprouver e tornará para
a sua terra.
Aqui se
apresentam dois retornos de conquista estrangeira. O primeiro produziu-se após
os eventos narrados nos versículos 26 e 27, e o segundo, depois que aquele
poder indignou-se contra a santa aliança e realizou suas façanhas. A primeira
vez foi na volta de Augusto de sua expedição ao Egito contra Antônio. Voltou a
Roma com abundantes honras e riquezas, pois, “nesse tempo eram tão vastas as
riquezas levadas do Egito a Roma na conquista desse país e de lá voltou
Otaviano [Augusto] e seu exército, e os preços de víveres e todas as
mercadorias dobraram.” (The
Old and the New Testament Connected in the History of the Jews, vol. 2, p.
380).
Augusto
celebrou suas vitórias em três dias de triunfo. Cleópatra seria agraciada como
um dos cativos reais, se não se houvesse ardilosamente feito picar fatalmente
por um áspide.
Roma destrói
Jerusalém — O seguinte grande
empreendimento dos romanos após a derrota do Egito foi a expedição contra a
Judeia e a captura e destruição de Jerusalém. A santa aliança é sem dúvida a
aliança que Deus tem mantido com Seu povo sob formas diferentes, em diferentes
eras do mundo. Os judeus rejeitaram a Cristo e, de acordo com a profecia de que
todos os que não ouvissem o Profeta seriam cortados, foram lançados fora de sua
própria terra e espalhados entre todas as nações da Terra. Enquanto judeus e
cristãos igualmente sofreram sob as opressoras mãos dos romanos, foi, sem
dúvida, especialmente na redução da Judeia, que foram expostas as façanhas
mencionadas no texto sagrado.
Sob Vespasiano os romanos invadiram a Judeia e
tomaram as cidades da Galileia: Corazim, Betsaida e Cafarnaum, onde Cristo fora
rejeitado. Destruíram os habitantes e nada deixaram senão ruína e desolação.
Tito sitiou Jerusalém, e abriu uma trincheira ao seu redor, conforme a predição
do Salvador. Seguiu-se uma fome terrível. Moisés havia predito que terríveis
calamidades sobreviriam aos judeus, se eles se apartassem de Deus. Fora
profetizado que até a mulher e delicada comeria seus próprios filhos no aperto do
cerco (Deuteronômio 28:52-55). Sob o cerco de Jerusalém por Tito, ocorreu
literal cumprimento desta predição. Ao ouvir o relato desses atos desumanos,
mas esquecendo que era ele que os estava impelindo a tais extremos de loucura,
Tito jurou eterna extirpação da cidade maldita e seu povo.
Jerusalém caiu no ano 70 d.C. Em honra a si
mesmo, o comandante romano determinara salvar o templo, mas o Senhor dissera:
“Não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada.” (Mateus 24:2). Um
soldado romano apanhou uma tocha acesa e, subindo nos ombros de seus camaradas,
atirou-a por uma das janelas ao interior da linda estrutura. Esta não tardou em
incendiar-se, e os esforços desesperados dos judeus para apagar as chamas,
embora secundados pelos do próprio Tito, tudo foi em vão. Vendo que o templo
iria perecer, Tito entrou e retirou o candelabro, a mesa dos pães da proposição
e o volume da lei, que era revestido de tecido de ouro. O candelabro foi depois
depositado no Templo da paz, de Vespasiano e copiado no arco triunfal de Tito,
onde ainda se vê sua mutilada imagem.
O cerco de Jerusalém durou cinco meses. Nele
pereceram 1.100.000 judeus e 97.000 foram feitos prisioneiros. A cidade estava
tão admiravelmente fortificada que Tito exclamou, ao ver as ruínas: “Lutamos
com a ajuda de Deus”. Foi completamente arrasada e os próprios fundamentos do
templo foram arados por Terentius Rufus. A duração total da guerra foi de sete
anos, e se diz que quase um milhão e meio de pessoas foram vítimas de seus
tremendos horrores.
Assim este poder realizou grandes façanhas e
novamente voltou para a sua terra.
Versículo
29: No tempo determinado, tornará a avançar contra o Sul; mas não será nesta
última vez como foi na primeira.
O tempo
indicado é provavelmente o tempo profético do verso 24, previamente mencionado.
Terminou, como já demonstrado, em 330 d.C. e nessa data este poder se voltaria
para o sul, mas não como na ocasião anterior, quando foi para o Egito, nem como
depois, quando foi para a Judeia. Aquelas foram as expedições que resultaram em
conquista e glória. Esta levou à desmoralização e ruína. O traslado da sede do
império para Constantinopla foi o início da queda do império. Roma então perdeu
o seu prestígio. A divisão ocidental ficou exposta às incursões de inimigos
estrangeiros. Com a morte de Constantino, o Império Romano foi dividido entre
seus três filhos: Constâncio, Constantino II e Constante. Constantino II e
Constante desentenderam-se e, sendo Constante o vencedor, ganhou a supremacia
de todo o Ocidente. Os bárbaros do norte agora começaram suas incursões e
estenderam suas conquistas até que o poder imperial do Ocidente expirou em 476
d.C. Versículo 30: Porque virão
contra ele navios de Quitim, que lhe causarão tristeza; voltará, e se indignará
contra a santa aliança, e fará o que lhe aprouver; e, tendo voltado, atenderá
aos que tiverem desamparado a santa aliança.
Roma
saqueada pelos bárbaros — A narrativa profética
ainda faz referência ao poder que tem sido o tema da profecia desde o verso 16,
ou seja, Roma. Quais foram os navios de Quitim que foram contra esta potência e
quando se fez este movimento? Que país ou poder é representado por Quitim? Em
Isaías 23:1 achamos esta menção: “Desde a terra de Quitim lhes foi isto
revelado.” (Almeida RC). Adam Clarke diz em nota a respeito:
“Diz-se que as notícias da
destruição de Tiro por Nabucodonosor, lhes foram levadas de Quitim, as ilhas e
costas do Mediterrâneo, ‘pois os Tírios’ — diz Jerônimo sobre o versículo 6 —
quando viram que não tinham outro meio de escape, fugiram em seus navios e se
refugiaram em Cartago e nas ilhas dos mares Jônio e Egeu.’ [...] Assim também
Jarchi no mesmo lugar.” (Adam Clarke, Commentary on the Old Testament, vol. 4,
p. 109, 110, nota sobre Isaías 23:1).
Travou-se
alguma vez contra o Império Romano uma guerra naval que tendo Cartago como base
de operação? Lembremos os terríveis ataques dos vândalos contra Roma sob o
feroz Genserico, e responderemos afirmativamente. Cada primavera saía do porto
de Cartago à frente de suas numerosas e bem disciplinadas forças navais, para
espalhar consternação por todas as províncias marítimas do império. Tal é a
obra apresentada no versículo que estudamos; e isso fica melhor confirmado ao
considerarmos que a profecia nos levou exatamente a este tempo. No versículo 29
entendemos ser mencionado o traslado da sede para Constantinopla. A seguinte
revolução que se produz no curso do tempo é a que ocasionou as investidas dos
bárbaros do norte, entre as quais se destacavam os vândalos e a guerra que
realizavam, como já mencionado. A carreira de Genserico desenvolveu-se entre
428-468 d.C.
Os eventos “lhe causarão tristeza; e voltará”.
Isso pode referir-se aos esforços desesperados que foram feitos para desalojar
Genserico da soberania dos mares, o primeiro por Majorian, e logo pelo papa
Leão I, mas se demonstraram fracassos totais. Roma foi obrigada a submeter-se à
humilhação de ver suas províncias saqueadas e sua “cidade eterna” pilhada pelo
inimigo. (Ver comentário sobre Apocalipse 8:8).
“E se
indignará contra a santa aliança” —
Isto se refere sem dúvida às tentativas de destruir o povo de Deus pelos
ataques dirigidos às Sagradas Escrituras, o livro da aliança. Uma revolução
desta natureza foi realizada em Roma. Os hérulos, godos e vândalos, que
conquistaram Roma, abraçaram a fé ariana e se tornaram inimigos da Igreja
Católica. Justiniano decretou que o Papa fosse a cabeça da Igreja e o
corregedor dos heréticos especialmente com o propósito de exterminar essa
heresia. A Bíblia logo passou a ser considerada um livro perigoso, que não
devia ser lido pelo povo comum, mas todas as questões em disputas deviam ser
submetidas ao Papa. Assim se desprezou a Palavra de Deus.
Diz um historiador, comentando a atitude da
Igreja Católica com relação às Escrituras:
“Alguém poderia pensar que a
igreja de Roma tinha posto seus fiéis fora do alcance das Escrituras. Ela tinha
posto o abismo da tradição entre eles e as Palavra de Deus. Afastou-os ainda
mais da esfera do perigo ao prover um intérprete infalível cujo dever consiste
em cuidar de que a Bíblia não expresse um sentido hostil a Roma. Mas, se isso
não bastasse, trabalhou por todos os meios ao seu alcance para impedir que as
Escrituras cheguem de qualquer maneira às mãos de seu povo. Antes da Reforma
conservou a Bíblia encerrada em uma língua morta, e se promulgaram leis severas
contra sua leitura. A Reforma libertou o precioso volume. Tyndale e Lutero, o
primeiro, de seu retiro de Vildorfe nos Países Baixos, e o último, das densas
sombras do bosque da Turíngia, enviaram a Bíblia aos que falavam o idioma
popular na Inglaterra e Alemanha. Despertou-se assim uma sede pelas Escrituras,
ao que a igreja de Roma pensou ser imprudente opor-se abertamente. O Concílio
de Trento promulgou sobre os livros proibidos, dez regras que, embora
aparentavam satisfazer o crescente anseio de ler a Palavra de Deus, estavam
insidiosamente redigidas para freá-lo. Na quarta regra, o concílio proíbe a
quem quer que leia a Bíblia sem permissão do bispo ou inquisidor, permissão que
estaria baseada num certificado de seu confessor de que não corre perigo de ser
prejudicado ao lê-la. O concílio acrescenta estas categóricas palavras: "Que se
alguém se atreve a ler ou a ter em sua posse esse livro, sem tal permissão, não
receberá a absolvição até que o tenha entregue." A estas regras segue a bula de
Pio IV, na qual se declara que os que as violem serão considerados culpados de
pecado mortal. Assim a igreja de Roma buscou regular o que lhe era impossível impedir.
O fato não ser permitido a nenhum seguidor do papa ler a Bíblia sem permissão
não aparece nos catecismos e outros livros de uso comum entre os católicos
romanos deste país; mas é incontestável que forma a lei daquela igreja. E,
segundo ela, a prática uniforme dos sacerdotes de Roma, dos papas para baixo, é
impedir a circulação da Bíblia; impedi-la totalmente nos países onde, como na
Itália e Espanha, exerce todo o poder, e noutros países, como o nosso, até onde
seu poder permite. Seu sistema uniforme é desalentar a leitura das Escrituras
por todos os meios possíveis; e quando não acatam empregam a força para
conseguir seus fins, não tendo atenção em empregar o poder espiritual de sua
igreja e declarar que os que contrariarem a vontade de Roma nesta questão são
culpados de pecado mortal.” (J. A. Wylie, The Papacy, p. 180, 181).
Os
imperadores de Roma, cuja divisão oriental ainda continuava, concordavam com a
Igreja de Roma, que tinha abandonado a aliança e constituía a grande apostasia,
e colaboravam com ela no propósito de derrubar a “heresia”. O homem do pecado
foi elevado ao seu presumível trono pela derrota dos godos arianos (em 538),
que então tinham posse de Roma.
Versículo
31: Dele sairão forças que profanarão o santuário, a fortaleza nossa, e tirarão
o sacrifício diário, estabelecendo a abominação desoladora.
“Poluirão o santuário, a
fortaleza nossa”, ou Roma. Se isso se aplica aos bárbaros, cumpriu-se
literalmente, pois Roma foi saqueada pelos godos e os vândalos, e o poder
imperial do ocidente cessou pela conquista de Roma por Odoacro. Ou se se refere
aos governantes do império que agiam em favor do papado contra a religião pagã
e qualquer outra que se opunha ao papado, significaria a mudança da sede do
império de Roma para Constantinopla, o que contribuiu grandemente para a
decadência de Roma. A passagem então seria paralela a Daniel 8:11 e Apocalipse
13:2.
O papado remove “o contínuo” — Nos comentários sobre Daniel 8:13 foi mostrado que a palavra
“sacrifício” é uma palavra que foi erroneamente introduzida. Deve ser
“desolação”. A expressão denota um poder desolador, do qual a “abominação
desoladora” é apenas a contraparte e a sucede no tempo. Portanto, parece claro
que o “contínuo” foi o paganismo, e a “abominação desoladora” é o papado. Mas
pode-se perguntar: Como este pode ser o papado, visto que Cristo falou dela em
conexão com a destruição de Jerusalém? A resposta é: Cristo evidentemente
referiu-se a Daniel 9, que prediz a destruição de Jerusalém, e não a este
versículo do capítulo 11, que não se refere a tal acontecimento. Daniel, no
capítulo 9, fala de desolações e abominações, no plural. Mais de uma
abominação, portanto, oprime a igreja, isto é, no que concerne à igreja, tanto
o paganismo, como o papado são abominações. Mas quando distinguidas uma da
outra, a linguagem é restrita. Uma é a desolação “diária” e a outra é
preeminentemente a transgressão ou “abominação desoladora”.
Como foi tirado o “contínuo” ou paganismo?
Como isto se fala em relação com o estabelecimento da abominação desoladora, ou
o papado, deve denotar, não meramente a mudança nominal da religião do império,
do paganismo ao cristianismo, mas tal erradicação do paganismo de todos os
elementos do império, que o caminho seria totalmente aberto para a abominação
papal surgir e afirmar suas arrogantes pretensões. Tal revolução, como está
claramente definida, foi realizada, mas apenas quase duzentos anos após a morte
de Constantino.
Ao nos aproximarmos do ano 508 d.C., vemos uma
grande crise amadurecendo entre o catolicismo e as influências pagãs ainda
existentes no império. Até o tempo da conversão de Clóvis, rei de França, em
496, a França e outras nações de Roma ocidental eram pagãs. Mas em seguida a
esse evento, os esforços para converter idólatras ao romanismo foram coroados
de grande êxito. Diz-se que a conversão de Clóvis inicia a tendência e a
atitude de conceder ao monarca francês os títulos de “Majestade Cristianíssima”
e “Filho Mais Velho da Igreja”. Entre esse tempo e 508 d.C., mediante alianças,
capitulações e conquistas, Clóvis submeteu as guarnições romanas do oriente, na
Bretanha, e os burgúndios e os visigodos.
Do tempo em que estes acontecimentos se
realizaram, em 508, o papado foi triunfante no que concerne ao paganismo, pois
embora o último sem dúvida retardasse o progresso da fé católica, já não teve o
poder de suprimir a fé nem impedir as usurpações do pontífice romano. Quando as
potências eminentes da Europa renunciaram a seu apego ao paganismo, foi só para
perpetuar suas abominações em outra forma, pois o cristianismo, como é exposto
na Igreja Católica, foi e é apenas paganismo batizado.
A situação da sede de Roma era também peculiar
naquele tempo. Em 498, Símaco ascendeu ao trono pontifical, sendo
recém-converso do paganismo. Chegou à cadeira papal, lutando com seu competidor
até o sangue. Recebeu adulação como o sucessor de São Pedro e feriu a tônica da
assunção papal por pretender excomungar o imperador Anastácio. (Luis E. Dupin, A
New History of Ecclesiastical Writers, vol. 5, p. 1-3). Os mais servis aduladores do Papa começaram então a sustentar que ele
foi constituído juiz no lugar de Deus e que era o vice-gerente do
Altíssimo.
Tal foi a tendência dos eventos no ocidente.
Qual era a condição que reinava no oriente? Agora existia um forte partido
papal em todas as partes do império. Os adeptos desta causa em Constantinopla,
animados pelo êxito de seus irmãos no ocidente, achavam que chegara o momento
de anunciar francas hostilidades em favor de seu senhor em Roma.
Note-se
que pouco depois de 508, o paganismo tinha de tal modo declinado e o
catolicismo havia adquirido tanta força, que pela primeira vez a Igreja
Católica travou com êxito uma guerra, tanto contra a autoridade civil do
império quanto contra a igreja do oriente, que tinha na maioria abraçado a
doutrina monofisista, que Roma tinha por heresia. O zelo dos partidários
culminou num torvelinho de fanatismo e guerra civil, que varreu Constantinopla
com fogo e sangue. O resultado foi o extermínio de 65.000 hereges. Uma citação
de Gibbon, tirada de seu relato dos eventos ocorridos entre 508 e 518,
demonstrará a intensidade de tal guerra:
“Foram quebradas as estátuas do
imperador, e este teve que esconder-se em pessoa num subúrbio até que, no fim
de três dias, atreveu-se a implorar a misericórdia de seus súditos. Sem a
diadema e na postura de um suplicante, Anastácio apresentou-se no trono do
circo. Os católicos cantaram em sua face o que lhes era o verdadeiro Trisságio
e se alegraram pelo oferenda (que ele proclamou pela voz de um arauto) de
abdicar a púrpura. Escutaram a advertência de que, visto que todos não podiam
reinar, deviam estar previamente de acordo na eleição de um soberano, e
aceitaram o sangue de dois ministros impopulares, os quais seu amo, sem
vacilar, condenaram aos leões. Estas revoltas furiosas mas passageiras eram
estimuladas pelo êxito de Vitalino que, com um exército de hunos e búlgaros, na
maioria idólatras, declarou-se campeão da fé católica. Nesta piedosa rebelião
despovoou a Trácia, cercou Constantinopla, exterminou 65.000 cristãos até obter
o relevo dos bispos, a satisfação do papa, e o estabelecimento do concílio de
Calcedônia, um tratado ortodoxo, assinado de má vontade pelo moribundo
Anastácio, e executado mais fielmente pelo tio de Justiniano. Tal foi o
desenrolar da primeira das guerras religiosas que se travaram em nome e pelos
discípulos do Deus da paz.” (Eduardo
Gibbon, The Decline and Fall of the Roman Empire, vol. 4, cap. 47, p.
526).
Cremos
ter deixado claro que o contínuo foi tirado em 508. Isso ocorreu como
preparatório para o estabelecimento do papado, que foi um evento separado e
subsequente, do que a narrativa profética agora nos leva a falar.
O papado estabelece uma abominação “[...]
estabelecendo a abominação desoladora” —
Tendo mostrado plenamente o que constituía a remoção do contínuo ou paganismo,
agora indagamos: Quando foi estabelecida a abominação desoladora, ou o papado?
O chifre pequeno que tinha olhos como os olhos de homem não tardou a ver quando
estava preparado o terreno para seu avanço e elevação. Desde o ano 508 seu
progresso para a supremacia universal foi sem paralelo.
Quando Justiniano estava para começar a guerra
contra os vândalos, em 533, empresa de não pequena magnitude e dificuldade,
desejou assegurar a confiança do bispo de Roma, que havia chegado a uma posição
que em sua opinião tinha grande peso em grande parte da cristandade.
Justiniano, portanto, se encarregou de decidir a contenda que havia muito
existia entre as sedes de Roma e Constantinopla quanto a qual deve ter a
precedência. Deu a preferência a Roma em uma carta que dirigiu oficialmente ao
papa, declarando, nos termos mais plenos e inequívocos, que o bispo daquela
cidade seria a cabeça de todo o corpo eclesiástico do império.
A carta
de Justiniano diz:
“Justiniano, vencedor, piedoso,
afortunado, notável, triunfante, sempre Augusto, a João, o santíssimo arcebispo
e patriarca da nobre cidade de Roma."
“Prestando honra à sede apostólica e a Vossa
Santidade, como tem sido sempre e é nosso desejo, e honrando Vossa Beatitude
como pai, apressamo-nos a levar ao conhecimento de Vossa Santidade todas as
questões relativas ao estado das igrejas, visto que tem sido em todos os tempos
nosso grande desejo preservar a unidade de vossa Sede Apostólica e a posição
das santas igrejas de Deus, que até agora conquistou e ainda conquista."
“Portanto, não nos demoramos em sujeitar e
unir todos os sacerdotes de todo o oriente à sede de Vossa Santidade. Quaisquer
questões em disputa atualmente, temos crido necessário pô-las em conhecimento
de Vossa Santidade, por claras e indubitáveis que sejam, mesmo quando
firmemente sustentadas e ensinadas por todo o clero de acordo com a doutrina da
Vossa Sede Apostólica; mas não podemos admitir que coisa alguma referente ao
estado da Igreja, por mais manifesta e inquestionável, no que concerne ao
estado das igrejas, deixe de ser dado a conhecer a Vossa Santidade, como cabeça
de todas as igrejas. Porque, como já declaramos, ansiamos por aumentar a honra
e autoridade de vossa sede em todo respeito.” (Codex Justiniani, lib. 1, tit.
1; tradução por R. F. Littledale, em The Petrine Claims, p. 293).
“A carta do Imperador deve ter sido enviada
antes de 25 de março de 533, pois em sua carta daquela data dirigida a
Epifânio, fala ter sido ela já despachada e repete sua decisão de que todos os
assuntos tocantes à igreja sejam submetidos ao papa, ‘Cabeça de todos os Bispos
e o verdadeiro e eficiente corretor de hereges."
“No mesmo mês do ano seguinte, 534, o Papa, em
sua resposta, repete a linguagem do imperador, aplaudindo sua homenagem à sede
e adotando os títulos do mandato imperial. Observa que, entre as virtudes de
Justiniano, ‘uma brilha como estrela: sua reverência pela cadeira apostólica, à
qual se sujeitou e uniu todas as igrejas, sendo ela verdadeiramente a cabeça de
todas, como o atestam as regras dos Pais, as leis dos Príncipes e as declarações
da piedade do Imperador."
“A autenticidade do título recebe uma prova
incontestável dos editos encontrados nas ‘Novellae’ do código de Justiniano."
“O preâmbulo da nona declara que
‘como a Roma mais antiga foi a fundadora das leis, não se deve questionar que
nela estava a supremacia do pontificado.’
“A 131ª, sobre os títulos e privilégios
eclesiásticos, capítulo II, declara: ‘Decretamos, portanto, que o santíssimo
Papa da Roma mais antiga é o primeiro de todo o sacerdócio, e que o beatíssimo
Arcebispo de Constantinopla, a nova Roma, ocupará o segundo lugar após a santa
sede apostólica da velha Roma.’” (Jorge Croly, The Apocalypse of St. John, p.
115-116).
Pelo fim
do século VI, João de Constantinopla negou a supremacia romana, e assumiu o
título de bispo universal, ao que Gregório, o Grande, indignado com a
usurpação, denunciou João e declarou, sem compreender a verdade de sua
declaração, que aquele que assumisse o título de bispo universal era o
Anticristo. Em 606, Focas suprimiu a pretensão do Bispo de Constantinopla e
justificou a do Bispo de Roma. Mas Focas não foi o fundador da supremacia
papal.
“Que Focas reprimiu a pretensão
do Bispo de Constantinopla é fora de dúvida. Mas as mais altas autoridades dos
civis e analistas de Roma rejeitam a ideia de que Focas foi o fundador da
supremacia de Roma. Remontam a Justiniano como a única fonte legítima, e
corretamente datam o título no memorável ano 533.” (Idem, p. 117).
Jorge
Croly declara ainda:
“Com referência a Barônio, a
autoridade estabelecida entre os analistas católicos romanos, encontrei todos
os detalhes, da concessão de supremacia que Justiniano fez ao papa, formalmente
dados. [...] A transação toda foi da espécie mais autêntica e regular e
concorda com a importância da transferência.” (Idem, p. 8-9).
Tais
foram as circunstâncias do decreto de Justiniano. Mas as provisões deste
decreto não podiam ser efetuadas imediatamente, pois Roma e a Itália estavam em
poder dos ostrogodos, que eram de fé ariana, e fortemente se opunham à religião
de Justiniano e do Papa. Era, portanto, evidente que os ostrogodos deviam ser
desarraigados de Roma antes que o Papa pudesse exercer o poder de que fora
investido. Para lograr este objetivo, começou a guerra na Itália em 534. A
direção da campanha foi confiada a Belizário. Ao aproximar-se de Roma, várias
cidades abandonaram Vitijes, seu soberano godo e herético, e se uniram aos
exércitos do Imperador católico. Os godos, decidindo retardar as operações
ofensivas até a primavera, permitiram que Belisário entrasse em Roma sem
oposição. Os representantes do Papa e do clero, do senado e do povo, convidaram
o lugar-tenente de Justiniano a aceitar sua obediência voluntária.
Belisário entrou em Roma em 10 de dezembro de
536. Mas isso não foi o fim da luta, pois os godos, reuniram suas forças e
resolveram disputar a posse da cidade por um cerco regular, que iniciaram em
março de 537. Belisário temia o desespero e a traição da parte do povo. Vários
senadores e o Papa Silvestre, cuja suspeita de traição foi provada, foram
exilados. O Imperador ordenou o clero eleger novo bispo. Após solenemente
invocar o Espírito Santo elegeram o diácono Vigilius que, por um suborno de
duzentas libras de ouro, havia comprado a honraria. (Ver Eduardo Gibbon, The
Decline and Fall of the Roman Empire, vol. 4, cap. 41, p. 168, 169).
A nação
inteira dos ostrogodos se havia reunido para o cerco de Roma, mas o êxito não
acompanhou seus esforços. Suas hostes se foram desgastando em frequentes e
sangrentos combates sob os muros da cidade. Em um ano e nove dias em que durou
o cerco foram suficientes para quase testemunhar a destruição da nação. Em
março de 538, como outros perigos começaram a ameaçá-los, eles levantaram o
cerco, queimaram suas tendas e se retiraram em tumulto e confusão, em número
apenas suficiente para preservar sua existência como nação ou sua identidade
como povo.
Assim o chifre ostrogodo, o último dos três,
foi arrancado diante do chifre pequeno de Daniel 7. Já não havia nada para
impedir o Papa de exercer o poder a ele confiado por Justiniano cinco anos
antes. Os santos, os tempos e a lei estavam em suas mãos, de fato e na
intenção. O ano 538 deve ser tomado, pois, como o ano em que foi colocada ou
estabelecida “a abominação desoladora”, e como o ponto de partida dos 1260 anos
de supremacia papal.
Versículo
32: Aos violadores da aliança, ele, com lisonjas, perverterá, mas o povo que
conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo.
“O povo que conhece ao seu Deus” — Os que abandonam o livro da aliança, as Santas Escrituras, que
estimam mais os decretos de papas e as decisões de concílios do que a Palavra
de Deus, a estes, o Papa, perverterá com lisonjas. Ou seja, os conduzirá em seu
zelo partidário para com ele, pela concessão de riquezas, posição e honras.
Ao mesmo tempo haverá um povo que conhece ao
seu Deus que serão fortes e farão proezas. São os que cristãos que conservaram
a religião pura e viva na Terra durante os séculos obscuros da tirania papal e
realizaram admiráveis atos de abnegação e heroísmo religioso em favor de sua
fé. Dentre estes se destacam os valdenses, os albigenses, e os huguenotes.
Versículo
33: Os sábios entre o povo ensinarão a muitos; todavia, cairão pela espada e
pelo fogo, pelo cativeiro e pelo roubo, por algum tempo.
Aqui se
apresenta o longo período de perseguição papal contra os que lutavam para
manter a verdade e instruir seus semelhantes nos caminhos da justiça. O número
dos dias durante os quais haveriam de cair é dado em Daniel 7:25; 12:7;
Apocalipse 12:6, 14; 13:5. O período é chamado “um tempo, tempos e metade de um
tempo”, ou “mil duzentos e sessenta dias”, e “quarenta e dois meses.” São os
1.260 anos da supremacia papal.
Versículo
34: Ao caírem eles, serão ajudados com pequeno socorro; mas muitos se ajuntarão
a eles com lisonjas.
Em
Apocalipse 12, onde se fala desta mesma perseguição papal, lemos que a Terra
ajudou a mulher abrindo a boca e engolindo o rio que o dragão lançou após ela.
A Reforma protestante de Martinho Lutero e seus colaboradores proporcionou o
auxílio aqui predito. Os estados alemães abraçaram a causa protestante,
protegeram os reformadores e refrearam as perseguições levada avante pela
Igreja papal. Mas quando os protestantes receberam ajuda e sua causa chegou a
ser popular, muitos se ajuntariam “a eles com lisonjas” ou abraçariam, ou seja
abraçariam sua fé por motivos insinceros.
Versículo
35: Alguns dos sábios cairão para serem provados, purificados e embranquecidos,
até ao tempo do fim, porque se dará ainda no tempo determinado.
Embora
restringido, o espírito de perseguição não foi destruído. Irrompeu onde quer
que houvesse oportunidade. Isso aconteceu especialmente na Inglaterra. A
condição religiosa desse reino estava flutuando. Às vezes sob a jurisdição
protestante e às vezes sob a jurisdição papal, de acordo com a religião do
monarca reinante. A “sanguinária rainha Maria” era inimiga mortal da causa
protestante, e multidões caíram vítimas de suas implacáveis perseguições. Esta
situação duraria mais ou menos até o “tempo determinado”, ou tempo do fim,
segundo outras versões. A conclusão natural seria que quando o tempo do fim
chegasse, a Igreja Católica perderia completamente o poder de punir os hereges,
que tinha causado tantas perseguições, e que por algum tempo fora contido. Pareceria
igualmente evidente que esta supressão da supremacia papal assinalaria o início
do período aqui chamado o tempo do fim. Se esta aplicação é correta, o tempo do
fim começou em 1798, pois então, como já se observou, o papado foi derribado
pelos franceses, e não pôde desde então exercer todo o poder que antes possuía.
A opressão da Igreja pelo papado é evidentemente aqui referido, porque essa é a
única passagem, com a possível exceção de Apocalipse 2:10, que indica um “tempo
apontado”, ou seja, um período profético.
Versículo
36: Este rei fará segundo a sua vontade, e se levantará, e se engrandecerá
sobre todo deus; contra o Deus dos deuses falará coisas incríveis e será
próspero, até que se cumpra a indignação; porque aquilo que está determinado
será feito.
Um rei se engrandece sobre todo deus — O rei aqui apresentado não pode significar o mesmo poder que
viemos observando, a saber, o poder papal, porque as especificações não
correspondem nem se aplicam a tal poder.
Tome-se, por exemplo, uma declaração no
versículo seguinte: “Não terá respeito aos deuses de seus pais [...] nem a
qualquer deus.” Isso nunca se aplicou ao papado. Este sistema religioso nunca
deixou de lado nem rejeitou a Deus e Cristo, embora muitas vezes colocados numa
falsa posição.
Três características devem notar-se na
potência que cumpre esta profecia: Deve assumir a caráter aqui delineado perto
do início do tempo do fim, ao qual fomos levados no versículo anterior. Deve
ser um poder vitorioso. Deve ser um poder ateu. Talvez poderíamos unir estas
duas últimas especificações, dizendo-se que sua voluntariedade seria na direção
do ateísmo.
França
cumpre a profecia — Uma revolução que
corresponde exatamente a esta descrição ocorreu na França no tempo indicado
pela profecia. Os ateus semearam as sementes que produziram abundantes frutos.
Voltaire, em sua pomposa mas impotente presunção, dissera: “Estou cansado de
ouvir repetirem que doze homens fundaram a religião cristã. Eu provarei que
basta um homem para destruí-la.” Associando-se a homens como Rousseau,
D’Alembert, Diderot e outros, ele empreendeu a realização de sua ameaça.
Semearam ventos e colheram tempestades. Ademais, a igreja católica romana era
notoriamente corrompida nessa época, e o povo anelava romper com o jugo da opressão
eclesiástica. Seus esforços culminaram no “reinado do terror” de 1793, durante
a qual a França desprezou a Bíblia e negou a existência de Deus.
Um historiador moderno assim descreve esta
grande mudança religiosa:
“Certos membros da Convenção tinham
sido os primeiros que tentaram substituir nas províncias o culto cristão por
uma cerimônia cívica, no outono de 1793. Em Abbeville, Dumont, tendo declarado
ao populacho que os sacerdotes eram ‘arlequins e palhaços vestidos de preto,
que mostravam marionetes’, estabeleceu o Culto da Razão, e com uma notável
falta de espírito consequente, organizou por sua conta um ‘espetáculo de
marionetes’ dos mais imponentes, com bailes na catedral e festas cívicas em
cuja observância insistia muito. Fouché foi o próximo funcionário que aboliu o
culto cristão. Ao falar do púlpito da catedral de Nevers, apagou formalmente
todo espiritualismo do programa da república, promulgou a famosa ordem que
declarava ‘a morte um sono eterno’, eliminando assim o céu e o inferno. [...]
Em seu discurso de felicitações ao ex-bispo, o presidente declarou que como o
Ser Supremo ‘não desejava outro culto a não ser o da Razão, este constituiria
no futuro a religião nacional.’” (Luis Madelin, The French Revolution, p. 387,
388).
Mas há outras
e ainda mais notáveis especificações que se cumpriram nessa potência.
Versículo
37: Não terá respeito aos deuses de seus pais, nem ao desejo de mulheres, nem a
qualquer deus, porque sobre tudo se engrandecerá.
A palavra
hebraica para mulher é também traduzida por esposa;
e Tomás Newton observa que esta passagem seria melhor traduzido como “o desejo
das esposas”. (Dissertations of the Prophecies, vol. 1, p. 388-390).
Isto parecia indicar que este governo, ao mesmo tempo que declarava que Deus
não existia, pisava aos pés a lei que Deus dera para reger a instituição
matrimonial. E encontramos que o historiador, talvez inconscientemente, e nesse
caso tanto mais significativo, uniu o ateísmo e a licenciosidade desse governo
na mesma ordem em que são apresentados na profecia. Diz ele:
“A família tinha sido destruída.
Sob o antigo regime, ela fora o próprio fundamento da sociedade. [...] O
decreto de 20 de setembro de 1792, estabelecendo o divórcio, foi levado mais
além pela Convenção em 1794, deu antes de quatro anos frutos que a própria
Legislatura não havia sequer sonhado: podia realizar-se um divórcio imediato
por incompatibilidade de gênio, para entrar em vigor num ano o mais tardar, se
qualquer dos membros do casal se negasse a separar-se do outro antes de vencido
o prazo.
“Houve uma avalanche de
divórcios: a fins de 1793, ou seja, quinze meses depois de promulgado o
decreto, tinham sido concedidos 5.994 divórcios em Paris. [...] Sob o
Diretório, vemos as mulheres passarem de uma para outra mão por processo legal.
Qual a sorte dos filhos que nasciam de tais uniões sucessivas? Alguns pais se
livravam deles: o número de menores abandonados achados em Paris no quinto ano
elevou-se a 4.000 e a 44.000 nas outras províncias. Quando os pais retinham
seus filhos o resultado era uma confusão cômica. Um homem casava com várias
irmãs, uma após a outra; um cidadão pediu aos Quinhentos a permissão para casar
com a mãe das duas esposas que já tivera . [...] A família se desintegrava.”
(Luis Madelin, The French Revolution, p. 552, 553).
“Nem consideração a qualquer Deus” — Além do testemunho já apresentado para mostrar o total ateísmo
que reinava na nação nesse tempo, deve-se ler o seguinte:
“O bispo constitucional de Paris
foi compelido a desempenhar o papel principal na farsa mais impudente e
escandalosa que já fora exibido perante uma representação nacional. [...] Em
plena procissão, foi levado a declarar que a religião que ele próprio tinha
ensinado por tantos anos era, em todos os aspectos, obra do sacerdócio, que não
tinha fundamento na história nem verdade histórica. Negou, em termos solenes e
explícitos a existência da Divindade a cujo culto tinha sido consagrado, e se
comprometeu no futuro a prestar homenagem à liberdade, igualdade, virtude e
moralidade. Em seguida pôs na mesa seus adornos episcopais e recebeu o abraço
fraternal do presidente da Convenção. Vários sacerdotes apóstatas seguiram o
exemplo desse prelado.” (Sir Walter Scott, The Life of Napoleon Buonaparte,
vol. 1, p. 239).
“Herbert Chaumette e seus associados
compareceram ao tribunal e declararam que ‘Deus não existe’.” (Archibald
Alison, History of Europe, Vol. 3, p. 22).
Foi dito
que o temor de Deus distava tanto de ser o princípio da sabedoria que era o
começo da loucura. Todo culto foi proibido, exceto o da liberdade e da pátria.
O ouro e prata das igrejas foram confiscados e profanados. As igrejas foram
fechadas. Os sinos foram quebrados e fundidos para fazer canhões. A Bíblia foi
publicamente queimada. Os vasos sacramentais foram exibidos pelas ruas sobre um
burro, em sinal de desprezo. Estabeleceu-se um ciclo de dez dias, em vez da
semana e a morte foi declarada, em letras garrafais, sobre as sepulturas, como
um sono eterno. Mas a blasfêmia culminante, se estas orgias infernais admitem
graduação, foi a representação do comediante Monvel, que, como sacerdote do
Iluminismo, disse: “Deus, se existes, vinga Teu injuriado nome. Eu Te desafio!
Ficas silencioso. Não ousas lançar Teus trovões! Quem, após isso, crerá em Tua
existência?’” (Idem, p. 24).
Eis o que é o homem quando entregue a si
mesmo! Tal é a incredulidade quando se livra das restrições da lei e ela exerce
o poder! Pode-se duvidar de que estas cenas são o que o Onisciente previu e
anotou na página sagrada, quando indicou que um rei surgiria que se exaltaria
sobre todo deus, e desconsideraria todos eles.
Versículo
38: Mas, em lugar dos deuses, honrará o deus das fortalezas; a um deus que seus
pais não conheceram, honrará com ouro, com prata, com pedras preciosas e coisas
agradáveis.
Encontramos
uma aparente contradição neste versículo. Como pode uma nação desconsiderar
tudo o que é Deus e contudo honrar o deus das fortalezas? Não poderia ao mesmo
tempo manter ambas estas posições, mas poderia por um tempo desconsiderar todos
os deuses e então em seguida introduzir outro culto e considerar o deus das
forças. Ocorreu naquele tempo tal mudança na França? Certamente. A tentativa de
tornar a França uma nação sem Deus produziu tal anarquia que os governantes temiam que o poder lhes escapasse das mãos, e perceberam que era politicamente necessário
introduzir alguma espécie de culto. Mas não queriam introduzir nenhum movimento
que aumentasse a devoção ou desenvolvesse algum caráter espiritual verdadeiro
entre o povo, mas só o que os mantivesse no poder e lhes desse controle das
forças nacionais.
Alguns extratos da história mostrarão isso. A
liberdade e a pátria foram a princípio os objetos de adoração. “Liberdade,
igualdade, virtude e moralidade”, precisamente o contrário de qualquer coisa
que eles possuíam de fato ou exibiam na prática, eram palavras que eles
expunham como descrevendo a divindade da nação. Em 1793 o culto à Deusa da
Razão foi introduzido e assim é descrito por um historiador:
“Uma das cerimônias desse tempo
insensato é sem igual pelo absurdo combinado com a impiedade. As portas da
Convenção foram abertas a uma banda de música, precedida pelo Corpo Municipal
que entrou em solene procissão, cantando um hino em louvor à liberdade e
escoltando, como objeto de sua futura adoração, uma mulher com véu, que eles
chamavam a Deusa da Razão. Sendo introduzida no tribunal, foi-lhe tirado o véu
com toda formalidade, e foi colocada à direita do presidente, quando foi
reconhecida como dançarina da Ópera, com cujos encantos a maioria das pessoas
presentes estava familiarizada em virtude de seu aparecimento no palco [...] A
essa pessoa, como a mais apta representante daquela Razão que eles adoravam, a
Convenção Nacional da França prestou homenagem pública. Essa ímpia e ridícula
encenação tinha certa moda e a instalação da Deusa da Razão foi renovada e
imitada em toda a nação, em lugares onde os habitantes desejavam mostrar-se à
altura da Revolução.” (Sir
Walter Scott, The Life of Napoleon Buonaparte, vol. 1, p. 239, 240).
O
historiador moderno, Luis Madelin, escreve:
“Tendo-se suspenso a Assembleia
de seus negócios, uma procissão (de mista descrição) acompanhou a deusa às
Tullerías, e obrigou os deputados a decretar em sua presença a transformação de
Nossa Senhora em Templo da Razão. Como isto não foi considerado suficiente,
outra deusa da razão, a esposa de Momoro, membro da Convenção, foi instalada em
San Suplicio no seguinte decadí. Desde muito estas Liberdades e Razões
pululavam em toda a França. Com muita frequência, eram mulheres licenciosas,
embora havia uma ou outra deusa vinda de boa família e conduta decente. Se for
verdade que as frontes de alguma destas Liberdades foram cingidas com uma cinta
que portava a inscrição: ‘Não me troqueis por Licença’, podemos dizer que
dificilmente era supérflua a indicação em qualquer parte da França; porque
geralmente reinavam as orgias mais repugnantes. Diz-se que em Lyon se fez um
asno beber num cálice. [...] Payán chorou sobre ‘estas deusas, mais degradadas
que as da fábula.’” (Luis Madelin, The French Revolution, p. 389)
Enquanto
o fantástico culto da razão pareceu enlouquecer a nação, os dirigentes da
revolução passaram para a história como “os ateus”. Mas não demorou em notar-se
que para frear o povo era preciso uma religião com sanções mais fortes que as
que possuía a então em voga. Apareceu, portanto, uma forma de culto em que o
“Ser Supremo” era objeto de adoração. Era igualmente vazio quanto a produzir
reformas na vida e piedade vital, mas se apoiava no sobrenatural. E embora a
deusa da Razão foi na verdade um “deus estranho”, a declaração relativa ao
“deus das fortalezas” pode talvez referir-se mais apropriadamente a esta última
frase.
Versículo
39: Com o auxílio de um deus estranho, agirá contra as poderosas fortalezas, e
aos que o reconhecerem, multiplicar-lhes-á a honra, e fá-los-á reinar sobre
muitos, e lhes repartirá a terra por prêmio.
O sistema
de paganismo que tinha sido introduzido na França, como exemplificado no ídolo
instituído na pessoa da Deusa da Razão, e regido por um ritual pagão ateu pela
Assembleia Nacional para o uso do povo francês, continuou em vigor até a
designação de Napoleão para o consulado provisório da França em 1799. Os
adeptos dessa estranha religião ocuparam os lugares fortificados, as fortalezas
da nação, como expresso neste versículo.
Mas o que permite identificar a aplicação
desta profecia à França, talvez melhor que qualquer outro detalhe, é a
declaração da última parte do versículo, a saber, “repartirá a terra por
prêmio”. Antes da Revolução, as terras da França pertenciam à Igreja Católica e
a uns poucos senhores da nobreza. Essas grandes propriedades, por lei deviam
ficar indivisas e não podiam ser repartidas nem por herdeiros nem por credores.
Mas as revoluções não conhecem lei, e durante a anarquia que reinou, como
também se notará em Apocalipse 11, os títulos da nobreza foram abolidos e suas
terras foram vendidas em pequenas parcelas em benefício do erário público. O
governo necessitava de fundos e essas grandes propriedades foram confiscadas e
vendidas em leilão público, divididas em parcelas convenientes aos compradores.
O historiador assim relata esta singular transação:
“O confisco de dois terços das
terras do reino, ordenado pelos decretos da Convenção contra os emigrantes, o
clero e as pessoas acusadas nos tribunais revolucionários [...] pôs à
disposição do governo fundos superiores a 700 milhões de libras esterlinas.”
(Archibald Alison, History of Europe, Vol. 3, p. 25, 26).
Quando e
em que país ocorreu um acontecimento que cumprisse mais absolutamente a
profecia? Quando a nação começou a voltar a si, exigiu-se uma religião mais
racional e se aboliu o ritual pagão. O historiador descreve esse evento, que
não deixou de ter importantes repercussões:
“Uma terceira e mais ousada
medida foi o abandono do ritual pagão e a reabertura das igrejas para o culto
cristão. Isso se deveu inteiramente a Napoleão, que teve de opor-se aos
preconceitos filosóficos de quase todos os seus colegas. Em suas conversações
com eles, não procurou apresentar-se como crente no cristianismo, mas se baseou
unicamente na necessidade de prover para o povo os meios regulares de culto
onde quer que se deseje um estado de tranquilidade. Os sacerdotes que aceitaram
prestar o juramento de fidelidade ao governo foram readmitidos em suas funções.
Esta sábia medida foi seguida pela adesão de não menos que vinte mil desses
ministros da religião que até então haviam estado enlanguescendo nas prisões da
França.” (John
Gibson Lockhart, The History of Napoleon Buonaparte, vol. 1, p. 154).
Assim
terminou o Reinado do Terror e a Revolução Francesa. De suas ruínas surgiu
Bonaparte, para guiar o tumulto a sua própria elevação, para colocar-se à testa
do governo francês e encher de terror o coração das nações.
Versículo
40: No tempo do fim, o rei do Sul lutará com ele, e o rei do Norte arremeterá
contra ele com carros, cavaleiros e com muitos navios, e entrará nas suas
terras, e as inundará, e passará.
Novo
conflito entre os reis do sul e do norte — Após
longo intervalo o rei do sul e o rei do norte voltam a aparecer no cenário da
ação. Até aqui nada encontramos a indicar que devamos procurar em outros
territórios essas potências senão as que, pouco depois da morte de Alexandre,
constituíram respectivamente as divisões setentrional e meridional de seu
império. O rei do sul era nesse tempo o Egito e o rei do norte era a Síria,
incluindo a Trácia e a Ásia Menor. O Egito continuou regendo o território
designado como pertencente ao rei do sul; e Turquia durante mais de
quatrocentos anos governou o território que constituiu a princípio o domínio do
reino do norte.
Esta
aplicação da profecia evoca um conflito entre o Egito e a França, e entre a
Turquia e a França, em 1798, ou seja, o ano que, como já vimos, assinalou o
início do tempo do fim. Se a história testifica que tal guerra triangular
irrompeu naquele ano, será prova conclusiva da correção da aplicação.
Portanto, indagamos: É fato que no tempo do
fim o Egito enfrentou a França e fez uma resistência comparativamente fraca,
enquanto a Turquia veio como um furacão contra ele, isto é contra o enviado da
França? Já fornecemos certas provas de que o tempo do fim começou em 1798.
Nenhum leitor da história precisa ser informado de que naquele mesmo ano se chegou
a um estado de hostilidade entre França e Egito.
O historiador formará sua própria opinião
sobre até que ponto a origem do conflito deveu sua origem aos sonhos de glória
delirantemente acariciados no ambicioso cérebro de Napoleão Bonaparte. Mas a França,
ou pelo menos Napoleão, conseguiram fazer do Egito o agressor.
“Numa proclamação habilmente
redigida ele [Napoleão] assegurou aos povos do Egito que tinha vindo somente
para punir a casta governante dos mamelucos pelas depredações que infligiram a
certos comerciantes franceses; que, após querer destruir a religião muçulmana,
tinha mais respeito a Deus, Maomé e o Alcorão do que os mamelucos; que os
franceses tinham destruído o Papa e os Cavaleiros de Malta que empreendiam
guerra aos muçulmanos; três vezes bem-aventurado seria, pois, quem fosse a
favor dos franceses, bem-aventurados seriam ainda os que permanecessem neutros
e três vezes desgraçados seriam os que lutassem contra eles.” (The Cambridge
Modern History, vol. 8, p. 599).
O início
do ano 1798 encontrou os franceses elaborando grandes projetos contra os
ingleses. O Diretório desejava que Bonaparte empreendesse imediatamente a
passagem do canal e atacasse a Inglaterra; mas ele viu que nenhuma operação
direta dessa espécie podia ser judiciosamente empreendida antes do outono, e
não estava disposto a arriscar sua crescente reputação passando o verão
inativo. “Mas”, diz o historiador, “ele viu uma terra distante, onde poderia
conquistar uma glória lhe daria novo encanto aos olhos de seus compatriotas
pela atmosfera romântica e misteriosa que envolvia o cenário. O Egito, a terra
dos Faraós e dos Ptolomeus, seria um nobre campo para obter novos triunfos.”
(Rev. James White, History of France, p. 469).
Enquanto Napoleão contemplava horizontes ainda
mais amplos nos países históricos do Oriente, abrangendo não só o Egito, mas a
Síria, a Pérsia, o Hindostão e até o próprio Ganges, não teve dificuldade em
persuadir o Diretório de que o Egito era o ponto vulnerável de onde ferir a
Inglaterra ao interceptar o seu comércio oriental. Daí, sob o pretexto já
mencionado foi empreendida a campanha do Egito.
A queda do papado, que assinalou o término dos
1260 anos, e, de acordo com o versículo 35, marcou o começo do tempo do fim,
ocorreu em fevereiro de 1798, quando Roma caiu nas mãos do general da França
Berthier. No dia 15 de março seguinte, Bonaparte recebeu o decreto do Diretório
acerca da expedição contra o Egito. Partiu de Paris em 3 de maio e zarpou de
Toulon no dia 19, com grande armamento naval, que consistia de “treze navios de
linha, quatorze fragatas, grande número de navios de guerra menores, e por
volta de 300 transportes. À bordo iam mais de 35.000 soldados, juntamente com
1.230 cavalos. Incluindo-se a tripulação, a comissão de sábios enviada para
explorar as maravilhas do Egito, e os assistentes, o total de pessoas à bordo
era de umas 50.000; e já foi feito subir até 54.000.” (The Cambridge Modern
History, vol. 8, p. 597, 598)
Em 2 de julho, a Alexandria foi tomada e
imediatamente fortificada. No dia 21 se travou a decisiva batalha das
Pirâmides, em que os mamelucos defenderam o campo com coragem e desespero, mas
não foram páreo para as disciplinadas legiões dos franceses. Murad Bey perdeu
todos os seus canhões, 400 camelos e 3.000 homens. A perda dos franceses foi
comparativamente poucas. No dia 25, Bonaparte entrou no Cairo, a capital do
Egito, e só esperou baixarem as enchentes do Nilo para perseguirem Murad Bey
até o Alto Egito, para onde ele se retirara com sua cavalaria dispersa; e assim
conquistou todo o país. Na verdade, o rei do sul só pôde oferecer uma fraca
resistência.
Entretanto, a situação de Napoleão tornou-se
precária. A frota francesa, que era seu único meio de comunicação com a França,
foi destruída pelos ingleses sob o comando de Nelson em Abuquir. No dia 11 de
setembro de 1798 o sultão da Turquia, por sentimentos de ciúme contra a França,
astuciosamente alimentado pelos embaixadores ingleses em Constantinopla, e
exasperado de que o Egito, por tanto tempo em semi dependência do Império
Otomano, se transformasse em província francesa, declarou guerra à França.
Assim o rei do norte (Turquia) veio contra ele (França) no mesmo ano que o rei
do sul (Egito) avançou contra ele, e ambos “no tempo do fim”. Esta é outra
prova conclusiva de que o ano 1798 é o que inicia esse período, e tudo isso é
uma demonstração de que esta aplicação da profecia é correta. Seria impossível
que ao mesmo tempo se realizassem tantos eventos que satisfazem com precisão as
especificações da profecia a não ser o seu cumprimento.
Foi a vinda do rei do norte, ou Turquia, como
um furacão em comparação com a resistência do Egito? Napoleão tinha esmagado os
exércitos do Egito, e buscou fazer o mesmo com os exércitos do sultão, que
estavam ameaçando atacar desde a Ásia. Em 27 de fevereiro de 1799, com 18.000
homens, começou sua marcha do Cairo à Síria. Primeiro tomou o forte de
El-Arish, no deserto, depois Jaffa (a Jope da Bíblia), venceu os habitantes de
Naplous, em Zeta, e foi novamente vitorioso em Jafé. Enquanto isso um exército
de turcos se entrincheirou em São João de Acre, ao passo que enxames de
muçulmanos reuniam-se nas montanhas de Samaria, prontos para cair sobre os
franceses quando cercassem São João de Acre. Ao mesmo tempo Sir Sidney Smith
apareceu diante da cidade com dois navios ingleses, reforçou a guarnição turca
daquele lugar e capturou o aparato para o cerco, que Napoleão mandara de
Alexandria por mar. Logo surgiu no horizonte uma frota turca que, com os navios
ingleses e russos que cooperavam com eles, constituíram os “muitos navios” do
rei do norte.
No dia 18 de março começou o cerco. Napoleão
foi chamado duas vezes para salvar algumas divisões francesas de cair em mão
das hordas muçulmanas que inundavam o país. Duas vezes também foi feita uma
brecha no muro da cidade, mas os sitiadores foram enfrentados com tal fúria
pela guarnição que foram obrigados a desistir da luta, apesar de seus melhores
esforços. Após um prosseguimento de sessenta dias, Napoleão levantou o cerco,
fez soar, pela primeira vez em sua carreira, o toque de retirada. Em 21 de maio
de 1799, começou a voltar seus passos para o Egito.
“E as
inundará e passará” — Temos falado de eventos
que proporcionam surpreendente cumprimento com respeito ao rei do sul e o
ataque tormentoso do rei do norte contra a França. Até aqui a história concorda
de modo geral com a profecia. Mas chegamos a um ponto em que as opiniões dos
comentadores começam a divergir. A quem se referem as palavras “inundará e
passará”? À França ou ao rei do norte? A aplicação do restante deste capítulo
depende da resposta que dermos esta pergunta. A partir deste ponto são mantidas
duas linha de interpretação. Alguns aplicam as palavras à França e se esforçam
por achar cumprimento na carreira de Napoleão. Outros as aplicam ao rei do
norte, e encontram seu cumprimento nos eventos na história da Turquia. Se
nenhuma destas interpretações está livre de dificuldade, como é forçoso
admitir, só nos resta escolher a que oferece maior evidência a seu favor.
Parece-nos que há a favor de uma delas
evidências tão fortes que excluem todas a outra sem deixar qualquer lugar para
dúvida.
2
Turquia vem a ser o rei do norte — Acerca da aplicação desta parte da profecia a Napoleão ou a
França sob sua direção, o quanto sabemos de sua história, não encontramos
eventos que possamos apresentar com qualquer grau de certeza como cumprimento
da parte restante desse capítulo. Daí que não podemos ver como se possa aplicar
a ela. Deve, então, ser cumprida pela Turquia, a menos que se possa mostrar que
a expressão “rei do norte” não se aplica à Turquia, ou que há além da França ou
do rei do norte outra potência que cumpriu esta parte da predição. Mas se a
Turquia, agora ocupando o território que constituiu a divisão setentrional do
império de Alexandre, não é o rei do norte desta profecia, então ficamos sem
qualquer princípio para nos guiar na interpretação. Presumimos que todos
concordarão que não há lugar para introduzir outro poder aqui. A França e o rei
do norte são os únicos a quem se pode aplicar a predição. O cumprimento deve
encontrar-se na história de uma ou outra potência.
Algumas considerações certamente favorecem a
ideia de que na última parte do versículo 40 o objeto da profecia se transfere
da potência francesa para o rei do norte. Este acaba de ser introduzido,
surgindo como um furacão, com carros, cavalos e muitos navios. Já notamos a
colisão entre este poder e a França. O rei do norte, com a ajuda de seus
aliados, ganhou a contenda; e os franceses, falhos em seus esforços, foram
repelidos para o Egito. O mais natural é aplicar a expressão “e as inundará, e
passará” à potência que saiu vencedora daquela luta, a saber a Turquia.
Versículo
41: Entrará também na terra gloriosa, e muitos sucumbirão, mas do seu poder
escaparão estes: Edom, e Moabe, e as primícias dos filhos de Amom.
Abandonando
uma campanha em que um terço do exército caíram vítimas de guerra e de peste,
os franceses retiraram-se de São João de Acre e após fatigante marcha de 26
dias reentraram no Cairo, no Egito. Assim abandonaram todas as conquistas que
haviam feito na Judeia. A “terra gloriosa”, ou seja a Palestina, com todas as
suas províncias, voltou a cair no opressivo domínio dos turcos. Edom, Moabe e
Arnom, situados fora dos limites da Palestina, ao sul e a leste do mar Morto e
do Jordão, ficaram fora da linha de marcha dos turcos da Síria ao Egito, e
assim escaparam dos saques dessa campanha. Acerca desta passagem, Adam Clarke
tem a seguinte nota: “Estes e outros árabes, eles (os turcos) não puderam
subjugar. Ainda ocupam os desertos e recebem uma pensão anual de quarenta
mil coroas de ouro dos imperadores otomanos para permitir que as
caravanas de peregrinos a Meca tenham passagem livre.”
Verso 42:
Estenderá a mão também contra as terras, e a terra do Egito não escapará.
Na
retirada dos franceses para o Egito urna frota turca desembarcou 18.000 homens
em Abuquir. Napoleão imediatamente atacou o lugar, desalojando completamente os
turcos e restabeleceu sua autoridade no Egito. Mas nesse momento severos
revezes das armas francesas na Europa fizeram Napoleão voltar, para cuidar os
interesses do seu país. Deixou o general Kleber no comando das tropas no Egito.
Após um período de incansável atividade em favor do exército, foi assassinado
por um turco no Cairo, e Abdala Menou assumiu o comando; mas toda perda foi
séria para um exército que não podia receber reforços.
Enquanto isso, o governo inglês, como aliado
natural dos turcos, tinha resolvido tomar o Egito dos franceses. Em 13 de março
de 1801, uma esquadra inglesa desembarcou tropas em Abuquir. Os franceses
batalharam no dia seguinte, mas foram forçados a retirar-se. No dia 18 Abuquir
rendeu-se. No dia 28, chegaram reforços trazidos por uma frota turca e o
grão-vizir aproximou-se desde a Síria com um grande exército. No dia 19,
Rosetta entregou-se às forças combinadas dos ingleses e turcos. Em Ramanieh um
corpo francês de 4.000 homens foi derrotado por 8.000 ingleses e 6.000 turcos.
Em Elmenayer 5.000 franceses foram obrigados a retirar-se, no dia 16 de maio,
porque o vizir avançava para o Cairo com 20.000 homens. Todo o exército francês
ficou então encerrado no Cairo e em Alexandria. O Cairo capitulou em 27 de
junho e Alexandria em 2 de setembro. Quatro semanas depois, em 1° de outubro,
as preliminares da paz foram assinadas em Londres.
“A terra do Egito não escapará”, eram as
palavras da profecia. Esta linguagem parece implicar que o Egito seria posto em
sujeição a algum poder de cujo domínio desejaria libertar-se. Qual era a
preferência dos egípcios entre os franceses e os turcos? Eles preferiram o
governo francês. Na obra de R. R. Madden, sobre viagens pela Turquia, Egito,
Núbia, e Palestina nos anos de 1824 a 1827, afirma-se que os egípcios
consideravam os franceses como seus benfeitores; que, no curto período que
passaram no Egito, deixaram traços de melhoramento; e que, se pudessem ter
estabelecido seu domínio, o Egito agora seria comparativamente civilizado. (Ricardo Roberto
Madden, Travels in Turkey, Egypt, Nubia, and Palestine, vol. 1, p.
231). Em vista deste testemunho, é claro que a linguagem
da Escritura não se aplica a França, pois os egípcios não desejavam
escapar-lhes das mãos, embora desejassem escapar das mãos dos turcos, mas não
puderam.
Versículo
43: Apoderar-se-á dos tesouros de ouro e de prata e de todas as coisas
preciosas do Egito; os líbios e os etíopes o seguirão.
Como
ilustração deste versículo, citamos uma declaração do historiador acerca de
Maomé Ali, o governador turco do Egito, que assumiu o poder após a derrota dos
franceses.
“O novo paxá dedicou-se a
fortalecer sua posição para assegurar-se de modo permanente o governo do Egito
para si e sua família. Em primeiro lugar, viu que devia cobrar enormes rendas
de seus súditos para mandar tais quantidades de tributo a Constantinopla que
propiciassem ao sultão e o convencessem de que convinha apoiar o poder do governador
do Egito. Agindo segundo estes princípios, usou muitos meios ilícitos para
entrar na posse de grandes propriedades; negou a legitimidade de muitas
sucessões; queimou títulos de propriedade e confiscou fundos; enfim, desafiou
os direitos reconhecidos dos proprietários. Seguiram-se grandes distúrbios, mas
Mehemet Ali estava preparado para eles, e por sua pertinácia firmeza creu na
aparência de que a simples apresentação de direitos era uma agressão da parte
dos xeques. Aumentou os impostos continuamente e pôs sua cobrança em mãos dos
governantes militares. Por estes meios empobreceu os camponeses ao máximo.”
(Clara Erskine Clement, Egypt, p. 389, 390).
Versículo
44: Mas, pelos rumores do Oriente e do Norte, será perturbado e sairá com
grande furor, para destruir e exterminar a muitos.
O rei do norte em dificuldade — Sobre este versículo Adam Clarke tem uma nota digna de menção.
Diz ele: “Reconhece-se geralmente que esta parte da profecia ainda não se
cumpriu.” Esta nota foi impressa em 1825. Em outra parte do seu comentário ele
diz: “Se for entendido que se trata da Turquia, como nos versículos anteriores,
pode significar que os persas no oriente, e os russos ao norte,
porão naquele momento o governo otomano em situação muito embaraçosa.”
Entre esta conjectura de Adam Clarke, escrita
em 1825, e a guerra da Crimeia de 1853-1856, há certamente uma notável
coincidência, ao porque os próprios poderes que ele menciona, os persas no
oriente e os russos ao norte, foram os que instigaram esse conflito. As
notícias que chegaram daquelas potências perturbaram a Turquia. A atitude e os
movimentos dela incitaram o sultão à ira e vingança. A Rússia, por ser a parte
mais agressiva, foi o objeto de ataque. A Turquia declarou guerra ao seu
poderoso vizinho do norte em 1853. O mundo viu com espanto como se precipitava
impetuosamente o conflito um governo que por muito tempo fora chamado “o Homem
Doente do Oriente”, um governo cujo exército estava desmoralizado, cujas
tesouraria estava vazia, cujos dirigentes eram vis e imbecis e cujos súditos
eram rebeldes e ameaçavam separar-se. A profecia dizia que eles sairiam “com
grande furor, para destruir e exterminar a muitos”. Quando os turcos saíram à
guerra mencionada, foram descritos por um escritor americano em linguagem
profana, “lutando como demônios”. É certo que a Inglaterra e a França, foram em
auxílio da Turquia, mas esta entrou na guerra da maneira descrita e ganhou
importantes vitórias antes de receber a assistência das duas potências
nomeadas.
Versículo
45: E armará as tendas do seu palácio entre o mar grande e o monte santo e
glorioso; mas virá ao seu fim, e não haverá quem o socorra. (Almeida RC)
O rei do norte chega ao fim — Seguimos a profecia de Daniel 11 passo a passo até este último
versículo. Ao ver como as profecias divinas encontram seu cumprimento na
história, nossa fé se fortalece na realização final da palavra profética de
Deus.
A profecia do verso 45 refere-se à potência
chamada rei do norte. É a potência que domina o território possuído originalmente
pelo rei do norte. (Ver as p. 188, 189).
Prediz-se aqui que o rei do norte “virá ao seu
fim, e não haverá quem o socorra.” Exatamente como, quando e onde virá ao seu
fim, é algo que podemos observar com solene interesse, certos de que a mão da
Providência dirige o destino das nações.
Logo o tempo determinará este assunto. Quando
ocorrer este evento o que se seguirá? Porque virão acontecimentos de maior
interesse para todos os habitantes do mundo, como veremos no capítulo
seguinte.
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