Daniel 09 — Uma Vara Profética Cruza os Séculos
Versículos 1-2: No ano primeiro de
Dario, filho de Assuero, da nação dos medos, o qual foi constituído rei sobre o
reino dos caldeus, no ano primeiro do seu reinado, eu, Daniel, entendi pelos livros
que o número de anos, de que falou o SENHOR ao profeta Jeremias, em que haviam
de acabar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos.
A visão registrada no capítulo anterior foi dada no
terceiro ano de Belsazar, em 538 a.C. Os fatos narrados neste capítulo
ocorreram no primeiro de Dario. Visto que Belsazar era o último monarca de
origem babilônica e Dario o primeiro da Medo-Pérsia que reinou sobre Babilônia,
é provável que tenha transcorrido menos de um ano entre os acontecimentos
mencionados nestes dois capítulos.
Setenta anos de cativeiro — Embora Daniel, como primeiro-ministro do
maior reino da Terra estivesse cumulado de cuidados e encargos, não permitiu
que isso o privasse da oportunidade de estudar coisas de maior importância: os
propósitos de Deus revelados aos Seus profetas. Entendeu pelos livros, quer
dizer, os escritos de Jeremias, que Deus permitiria que o cativeiro de Seu povo
durasse setenta anos. Esta predição encontra-se em Jeremias 25:12; 29:10. Este
conhecimento e o uso que dele fez Daniel, mostra que Jeremias desde muito cedo
foi considerado como profeta divinamente inspirado, do contrário seus escritos
não teriam sido tão prontamente colecionados e tão extensamente copiados.
Embora por um tempo fosse contemporâneo de Jeremias, Daniel tinha um exemplar
de sua obra e a levou consigo ao cativeiro. Embora ele mesmo fosse um grande
profeta, não considerava humilhante estudar cuidadosamente o que Deus pudesse
revelar a outros de Seus servos.
Os setenta
anos de cativeiro não devem ser confundidos com as setenta semanas que seguem.
Começando os setenta anos em 606 a.C., os setenta anos de cativeiro, Daniel
entendeu que se aproximavam de seu término, e que Deus havia começado a cumprir
a profecia ao derribar o reino de Babilônia.
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Versículo 3: E eu dirigi o meu rosto
ao Senhor Deus, para o buscar com oração, e rogos, e jejum, e pano de saco, e
cinza.
O ter Deus prometido algo não nos exime da
responsabilidade de rogar-Lhe que cumpra Sua palavra. Daniel poderia ter
raciocinado assim: Deus prometeu libertar Seu povo no fim dos setenta anos e
cumprirá Sua promessa; não preciso me preocupar com o assunto. Mas ele não
raciocinou assim. Ao aproximar-se o tempo em que se havia de cumprir a palavra
do Senhor, buscou o Senhor com todo o seu coração.
E quão
fervorosamente se empenhou na obra, mesmo com jejum, cilício e cinza! Era
provavelmente o ano em que Daniel foi lançado na cova dos leões. O leitor
lembrará que o decreto aprovado pelo rei tinha proibido sob pena de morte a
todos os súditos que não dirigissem petição alguma a outro deus exceto ao rei.
Mas sem prestar atenção ao decreto, Daniel elevou sua oração três vezes ao dia
com as janelas abertas frente a Jerusalém.
Versículo 4: E orei ao SENHOR, meu
Deus, e confessei, e disse: Ah! Senhor! Deus grande e tremendo, que guardas o
concerto e a misericórdia para com os que te amam e guardam os teus
mandamentos.
A notável oração de
Daniel — Temos aqui a introdução da
admirável oração de Daniel, oração que expressa tanta humildade e contrição de
coração, que só os insensíveis poderiam ler sem se comoverem. Começa
reconhecendo a fidelidade de Deus, que nunca falta a Seus compromissos com os
que O seguem. O fato dos judeus se encontrarem no cativeiro se devia à sua
desobediência e não foi falta da parte de Deus em defendê-los e
sustentá-los.
Versículos 5-14: Temos pecado e
cometido iniquidades, procedemos perversamente e fomos rebeldes, apartando-nos
dos teus mandamentos e dos teus juízos; e não demos ouvidos aos teus servos, os
profetas, que em teu nome falaram aos nossos reis, nossos príncipes e nossos pais,
como também a todo o povo da terra. A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a
nós, o corar de vergonha, como hoje se vê; aos homens de Judá, os moradores de
Jerusalém, todo o Israel, quer os de perto, quer os de longe, em todas as
terras por onde os tens lançado, por causa das suas transgressões que cometeram
contra ti. Ó SENHOR, a nós pertence o corar de vergonha, aos nossos reis, aos
nossos príncipes e aos nossos pais, porque temos pecado contra ti. Ao Senhor,
nosso Deus, pertence a misericórdia e o perdão, pois nos temos rebelado contra
ele e não obedecemos à voz do SENHOR, nosso Deus, para andarmos nas suas leis,
que nos deu por intermédio de seus servos, os profetas. Sim, todo o Israel
transgrediu a tua lei, desviando-se, para não obedecer à tua voz; por isso, a
maldição e as imprecações que estão escritas na Lei de Moisés, servo de Deus,
se derramaram sobre nós, porque temos pecado contra ti. Ele confirmou a sua
palavra, que falou contra nós e contra os nossos juízes que nos julgavam, e fez
vir sobre nós grande mal, porquanto nunca, debaixo de todo o céu, aconteceu o
que se deu em Jerusalém. Como está escrito na Lei de Moisés, todo este mal nos
sobreveio; apesar disso, não temos implorado o favor do SENHOR, nosso Deus,
para nos convertermos das nossas iniquidades e nos aplicarmos à tua verdade.
Por isso, o SENHOR cuidou em trazer sobre nós o mal e o fez vir sobre nós; pois
justo é o SENHOR, nosso Deus, em todas as suas obras que faz, pois não
obedecemos à sua voz.
Até este ponto a oração de Daniel se dedica a fazer
plena confissão de pecado com coração quebrantado. Reivindica plenamente a
conduta do Senhor, reconhecendo que os pecados de Seu povo foram a causa de
todas as suas calamidades, tal como Deus os havia ameaçado pelo profeta Moisés.
Não faz discriminação alguma em seu favor. Não aparece justiça própria em sua
petição. Embora tenha sofrido muito tempo por pecados alheios, suportando
setenta anos de cativeiro pelos erros de seu povo, ele mesmo tinha vivido uma
vida piedosa e recebido assinaladas honras e bênçãos do Senhor. Não faz
acusação contra ninguém, não solicita simpatia para si mesmo como vítima de
erros alheios, mas se classifica com os demais, dizendo: Temos pecado
e a nós pertence o corar de vergonha. Reconhece que não haviam
atendido as lições que Deus pretendia ensinar-lhes por meio de suas
aflições.
Versículos 15-19: Na verdade, ó
Senhor, nosso Deus, que tiraste o teu povo da terra do Egito com mão poderosa,
e a ti mesmo adquiriste renome, como hoje se vê, temos pecado e procedido
perversamente. Ó Senhor, segundo todas as tuas justiças, aparte-se a tua ira e
o teu furor da tua cidade de Jerusalém, do teu santo monte, porquanto,
por causa dos nossos pecados e por causa das iniquidades de nossos pais, se
tornaram Jerusalém e o teu povo opróbrio para todos os que estão em redor de
nós. Agora, pois, ó Deus nosso, ouve a oração do teu servo e as suas súplicas e
sobre o teu santuário assolado faze resplandecer o rosto, por amor do Senhor.
Inclina, ó Deus meu, os ouvidos e ouve; abre os olhos e olha para a nossa
desolação e para a cidade que é chamada pelo teu nome, porque não lançamos as
nossas súplicas perante a tua face fiados em nossas justiças, mas em tuas muitas
misericórdias. Ó Senhor, ouve; ó Senhor, perdoa; ó Senhor, atende-nos e age;
não te retardes, por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu
povo são chamados pelo teu nome.
O profeta agora invoca a honra do nome de Jeová
como razão pela qual deseja que sua petição seja concedida. Refere-se à
libertação de Israel do Egito e ao grande renome que ao nome do Senhor haviam
acrescido todas as Suas maravilhosas obras realizadas entre eles. Tudo isso se
perderia se Ele agora os deixasse perecer. Moisés usou o mesmo argumento ao
interceder por Israel (Números 14). Não que Deus atue por motivos de ambição e
vanglória, mas quando Seus filhos manifestam zelo pela honra de Seu nome, quando
revelam seu amor por Ele rogando-Lhe que opere, não para seu benefício pessoal,
mas para Sua própria glória, a fim de que Seu nome não sofra opróbrio e
blasfêmia entre os pagãos, isso Lhe é agradável. Daniel intercede então pela
cidade de Jerusalém, que leva o nome de Deus, e por Seu santo monte, que Ele
tanto amava, e Lhe roga que por Suas misericórdias desvie Sua ira. Finalmente,
concentra sua atenção no santuário sagrado, a própria morada de Deus na Terra,
e solicita a reparação de suas assolações.
Daniel
entendia que os setenta anos de cativeiro estavam prestes a terminar. Por sua
alusão ao santuário, é evidente que até então não entendia a importante visão a
ele dada no capítulo 8, e parecia supor que os 2.300 dias findariam ao mesmo
tempo que os setenta anos. Este seu equívoco foi imediatamente corrigido quando
o anjo veio para dar-lhe mais instruções em resposta à sua oração.
Versículos 20-21: Falava eu ainda, e
orava, e confessava o meu pecado e o pecado do meu povo de Israel, e lançava a
minha súplica perante a face do SENHOR, meu Deus, pelo
monte santo do meu Deus. Falava eu, digo, falava ainda na oração, quando o
homem Gabriel, que eu tinha observado na minha visão ao princípio, veio
rapidamente, voando, e me tocou à hora do sacrifício da tarde.
A oração de Daniel
recebe resposta — Temos aqui
o resultado da súplica de Daniel. Um mensageiro celestial o interrompe
subitamente. O anjo Gabriel, voltando a aparecer como antes em forma de homem,
como Daniel o havia visto no início da visão, o toca. Está a ponto de
elucidar-se uma questão importante, a saber: Alguma vez foi explicada a visão
do capítulo 8 e pôde ser entendida? A que visão se refere Daniel na expressão
“minha visão ao princípio”? Todos admitirão que deve ser uma visão que já foi
registrada e que nela se encontra mencionado o nome de Gabriel. Precisamos
voltar ao escrito anterior ao capítulo 9, pois tudo o que encontramos nesse
capítulo, antes da aparição de Gabriel, é simplesmente o relato da oração de
Daniel. Mas voltando aos capítulos anteriores, encontramos mencionadas apenas
três visões dadas a Daniel. A interpretação do sonho de Nabucodonosor foi dada
em visão noturna. (Daniel 2:19). Mas não há intervenção angélica na questão. A
visão de Daniel foi explicada a Daniel por “um dos que estavam perto”,
provavelmente um anjo; mas não temos informação sobre que anjo, nem há na visão
coisa alguma que precise de mais explicação. A visão de Daniel 8 dá alguns
detalhes que mostram ser esta a visão referida. Nela Gabriel é apresentado pelo
nome. Ele recebeu a ordem de dar a entender a visão a Daniel.
Daniel
deixou claro que não a entendeu, mostrando que Gabriel, na conclusão do
capítulo 8, não havia completado sua missão. Não há, em toda a Bíblia, lugar em
que esta instrução continuou, a não ser no capítulo 9. Portanto, se a visão do
capítulo 8 não for a referida, não teremos menção alguma de que Gabriel tenha
cumprido a instrução que lhe foi dada, ou que aquela visão tenha sido alguma
vez explicada. A instrução que o anjo agora dá a Daniel, como veremos nos
versículos seguintes, completa exatamente o que estava faltando no capítulo 8.
Estas considerações provam, de forma indubitável, a relação que há entre Daniel
8 e 9, e esta conclusão se reforça mais ainda quando são consideradas as instruções
do anjo.
Versículos 22-23: Ele queria
instruir-me, falou comigo e disse: Daniel, agora, saí para fazer-te entender o
sentido. No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to
declarar, porque és mui amado; considera, pois, a coisa e entende a visão.
A missão de Gabriel — A forma em que Gabriel se apresenta nesta
ocasião demonstra que tinha vindo concluir alguma missão deixada incompleta.
Não pode ser outra senão a de cumprir a ordem: “Dá a entender a este o
sentido”, registrada em Daniel 8. “Agora saí para fazer-te entender o sentido.”
Ainda repousava sobre ele o encargo de fazer Daniel entender a visão e, como no
capítulo 8 havia explicado a Daniel tudo o que este podia receber, e contudo
ainda não entendia a visão, vem agora retomar sua obra e completar sua missão.
Tão logo Daniel começou sua fervente súplica, saiu a ordem de visitar Daniel e
dar-lhe a informação de que necessitava.
Pelo tempo
que se requer para ler a oração de Daniel até o momento em que Gabriel
apareceu, o leitor pode julgar a celeridade com que o mensageiro viajou dos
átrios celestiais até o servo de Deus. Não é de estranhar que Daniel anote que
ele “veio rapidamente, voando”, ou que Ezequiel compare os movimentos destes
seres celestiais a um relâmpago. (Ezequiel 1:14).
“Considera,
pois, a coisa”, disse o anjo a Daniel. Que coisa? Evidentemente a que ele não
entendia antes, segundo se declara no último versículo do capítulo 8. “Entende
a visão.” Que visão? Não a interpretação da imagem de Nabucodonosor, nem a
visão de Daniel 7, pois não havia dificuldade em compreendê-las, mas a visão do
capítulo 8 que o encheu de assombro e não podia entender. “Saí para fazer-te
entender o sentido”, disse também o anjo.
Daniel não
tinha dificuldade em compreender o que o anjo lhe falara acerca do carneiro, do
bode e da ponta pequena, os reinos da Medo Pérsia, Grécia e Roma. Tampouco
havia deixado de entender o referente ao cativeiro de setenta anos. Mas o
objetivo de sua petição era a reparação das desolações do santuário que estava
em ruínas. Sem dúvida havia concluído que quando chegasse o fim dos setenta
anos haveria de cumprir-se o que o anjo dissera acerca da purificação do
santuário no fim dos 2.300 dias. Agora devia retificar seu conceito. Isso
explica por que nesse momento particular, tão pouco tempo depois da visão
anterior, lhe foi enviada instrução.
Os setenta
anos de cativeiro estavam chegando ao seu fim. Daniel estava equivocado em uma
de suas crenças. Não devia ser deixado por mais tempo a ignorar o verdadeiro
significado da visão anterior. “Saí para fazer-te entender o sentido”, disse o
anjo. Como poderia a relação entre a visita anterior do anjo e a atual ser mais
distintamente demonstrada que pelas palavras pronunciadas nessa ocasião por tal
personagem?
Daniel é mui amado — Uma expressão merece especial consideração
antes de deixarmos o versículo 23. É a declaração do anjo a Daniel: “Porque és
mui amado.” O anjo trouxe esta declaração diretamente do Céu. Ela expressava o
sentimento que ali existia a respeito de Daniel.
Considere que os seres celestiais, os mais sublimes
do universo: O Pai, o Filho e os santos anjos, estimavam de tal maneira a um
mortal aqui na Terra a ponto de autorizar um anjo a lhe trazer a comunicação de
que era mui amado! Este é um dos mais altos pináculos de glória que os mortais
podem alcançar. Abraão alcançou outro quando se pôde dizer dele que era “amigo
de Deus”, e Enoque quando se pôde dizer dele que “andou com Deus”. Podemos nós
chegar a tanto? Deus não faz acepção de pessoas, mas considera o caráter. Se
nos pudéssemos igualar a esses homens em virtude e piedade, o amor divino seria
igualmente movido a ter-nos em igual profunda estima. Nós também poderíamos ser
mui amados, poderíamos ser amigos de Deus e poderíamos andar com Ele.
Com
referência à última igreja há uma figura que denota a mais íntima união com
Deus: “Se alguém ouvir a Minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e
com ele cearei, e ele comigo.” (Apocalipse 3:20). Cear com o Senhor denota uma
intimidade equivalente a ser muito amado por Ele, andar com Ele ou ser Seu
amigo. Quão desejável é essa posição! Mas lamentavelmente os males de nossa
natureza nos privam desta comunhão. Oxalá tenhamos graça para vencê-los, a fim
de podermos gozar aqui essa união espiritual e entrar finalmente nas glórias de
Sua presença quando se celebrarem as bodas do Cordeiro.
Versículo 24:
Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade,
para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a
iniquidade, para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia e
para ungir o Santo dos Santos.
Setenta semanas — Tais são as primeiras palavras que o anjo
dirige a Daniel ao comunicar-lhe a instrução que lhe veio dar. Por que introduz
assim abruptamente o período de tempo? Devemos novamente referir-nos à visão de
Daniel 8. Vimos que Daniel, no fim desse capítulo, diz que não entendeu a
visão. Certas partes daquela visão lhe foram explicadas claramente naquela
ocasião. Estas partes não podem ser as que não entendeu. Averiguemos, portanto,
o que Daniel não entendeu, ou, em outras palavras, que parte da visão ficou sem
explicação.
Naquela
visão se apresentam quatro coisas destacadas: o carneiro; o bode; o chifre
pequeno; o período de 2.300 dias. Os símbolos do carneiro, do bode e do chifre
pequeno foram explicados, mas nada se disse do período de tempo. Este, pois,
deve ter sido o ponto que o profeta não compreendeu. De nada lhe valia
compreender as outras partes da visão, enquanto ficava em obscuridade sobre a
aplicação deste período de 2.300 dias.
Diz o
erudito Dr. Hales, ao comentar as setenta semanas: “Esta profecia cronológica
[...] estava destinada evidentemente a explicar a visão precedente,
especialmente sua parte cronológica dos 2.300 dias.” (Guilherme Hales, A
New Analyses of Chronology, vol. 2, p. 517).
Se esta opinião é correta, podemos naturalmente
esperar que o anjo tenha começado sua explicação pelo ponto omitido antes, a
saber, o referente ao tempo. E assim verificamos ser, de fato. Depois de citar,
da forma mais direta e enfática, a atenção que Daniel havia prestado à visão
anterior e depois de assegurar-lhe que tinha vindo para lhe dar a entender o
sentido, começa com o próprio ponto que fora omitido e diz: “Setenta semanas
estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade.”
Cortadas dos 2.300 dias — Mas como esta linguagem revela alguma
relação com os 2.300 dias, ou como lança luz sobre este período? Respondemos: a
linguagem não pode referir-se inteligentemente a outra coisa. O vocábulo aqui
traduzido “determinadas” significa “cortadas”, “separadas”, e na visão aqui
referida não se menciona outro período de que as setenta semanas poderiam ser
cortadas, exceto os 2.300 dias. Quão direta e natural é, pois, a relação!
“Setenta semanas estão cortadas.” Mas cortadas de quê? Com certeza dos 2.300
dias.
A palavra
“determinadas” que se acha nesta frase é uma tradução do hebraico nechtak,
que se baseia em um radical primitivo que Strong define como significando
“cortar, quer dizer figuradamente, decretar, determinar”. Este último significa
por implicação. A versão que seguimos emprega esta definição mais remota, por
implicação, e põe “determinadas” no texto que nos ocupa. Outras versões seguem
a segunda definição, e dizem: “Setenta semanas estão decretadas [quer dizer
concedidas] para o seu povo” (NVI) Tomando a definição básica e mais simples,
temos “setenta semanas estão cortadas para teu povo.” Se estão
cortadas, deve ser de um período maior; neste caso, dos 2.300 dias da profecia
até aqui discutida. Pode-se acrescentar que Gesênio, dá a mesma definição que
Strong: “Cortar, [...] dividir, e assim determinar,
decretar.” Davidson dá exatamente a mesma definição, e se refere igualmente
a Daniel 9:24 como exemplo.
Pode
perguntar-se então por que os tradutores traduziram a palavra por
“determinadas”, quando obviamente significa “cortadas”. A resposta é: sem
dúvida passaram por alto a relação que há entre o capítulo 8 e o 9 e,
considerando impróprio traduzi-la por “cortadas”, quando não viam nada de que
poderiam cortar-se as setenta semanas, deram à palavra seu sentido figurado em
vez do literal. Mas, como já vimos, a definição e o contexto exigem o sentido
literal e tornam inadmissível qualquer outro.
Portanto,
setenta semanas, ou 490 dos 2.300 dias, foram cortadas ou concedidas a
Jerusalém e aos judeus. Os eventos que iam consumar-se durante esse período
logo se apresentam. Se havia de “cessar a transgressão”, quer dizer, o povo
judeu ia encher a taça de sua iniquidade, o que fizeram na rejeição e
crucifixão de Cristo. Se haveria de “dar fim aos pecados” ou as ofertas pelo
pecado. Isto ocorreu quando se fez a grande Oferta no Calvário. Ia ser provida
uma reconciliação para a iniquidade. Seria pela morte expiatória do Filho de
Deus. Ia ser introduzida a justiça eterna, a que nosso Senhor manifestou em Sua
vida sem pecado. A visão e a profecia iam ser seladas, ou asseguradas.
A profecia
ia ser provada pelos eventos que iam ocorrer nas setenta semanas. Com isto fica
determinada a aplicação de toda a visão. Se os eventos deste período se cumprem
com exatidão, a profecia é de Deus e tudo se cumprirá. Se estas setenta semanas
se cumprem como semanas de anos, então os 2.300 dias, dos quais elas são uma
parte, são outros tantos anos.
Um dia em profecia significa um ano — Ao iniciar o estudo das setenta semanas ou
490 dias, será bom lembrar que na profecia bíblica um dia representa um ano. E
na p. 113 apresentamos provas de que esta interpretação é um princípio aceito.
Só acrescentaremos mais duas citações:
“Assim foi revelado
a Daniel de que modo o último aviltamento se produzirá depois que o santuário
for purificado e a visão for cumprida; e estes 2.300 dias desde a hora em que
saísse a ordem. [...] de acordo com o número predito resolvendo um dia por um ano,
segundo revelação feita a Ezequiel.” (Nicolau de Cusa, Conjectures of Cardinal
von Cusa Concerning the Last Days, p. 934).
“É um fato singular que a grande maioria dos intérpretes do mundo inglês
e americano tem habitualmente, desde muitos anos, entendido que os dias
mencionados em Daniel e Apocalipse representam ou simbolizam anos. Foi-me
difícil rastrear a origem deste costume geral, e poderia dizer quase
universal.” (Moisés Stuart, Hints on the Interpretation of Prophecy,
p. 934).
O princípio de interpretação que computa um dia
como um ano conta entre os que o apóiam a Agostinho, Ticonio, Primasio, André,
o venerável Beda, Ambrósio, Ansberto, Berengaud e Bruno o astense, além dos
principais expositores modernos. (Eduardo B. Elliot, Horae Apocalypticae,
vol. 3, p. 234, notas 2-6). Mas o que fornece a maior convicção é que as
profecias de fato se cumpriram com base nesse princípio, o que demonstra sua
exatidão incontroversa. Isto se vê na profecia das 70 semanas, bem como ao
longo de todos os períodos proféticos de Daniel 7 e 12, e Apocalipse 9, 12 e
13.
Assim os
eventos das setenta semanas fornecem as chaves de toda a visão.
“Ungir o Santo dos
santos” — De acordo
com a profecia o Santo dos santos devia ser ungido. A frase qodesh
qodashim, traduzida aqui “Santo dos santos”, é um termo usado com
frequência em Levítico para caracterizar lugares e coisas,
mas em nenhuma passagem se aplica a pessoas. Embora se use no
Antigo Testamento, e seu equivalente no Novo, para distinguir o lugar santíssimo
do santuário, não se limita a este uso de maneira nenhuma. Emprega-se também
para caracterizar muitos objetos relacionados com o serviço santo do santuário,
como o altar de bronze, a mesa, o candelabro, o incenso, os pães asmos, a
oferta pelo pecado, qualquer objeto consagrado e coisas pelo estilo, mas jamais
a pessoas relacionadas com esse serviço. (Ver Êxodo 29:37;
30:10, 29, 36; Levíticos 6:17, 29; 7:1; 27:28).
Por outro
lado, no caso da unção para o serviço, o termo se aplica ao
próprio santuário, assim como a todos os seus vasos (Êxodo 30:26-29). Em Daniel
9:24 a profecia especifica um caso de unção. De acordo com os usos
aplicados ao “Santo dos santos” ou “santíssimo” que já se assinalaram, temos
suficientes motivos para crer que este versículo prediz a unção do tabernáculo
celestial. Para o serviço típico, o tabernáculo foi ungido; e é bem apropriado
crer que, de acordo com isso, o santuário celestial foi ungido para o serviço
antitípico, ou real, quando nosso Sumo sacerdote iniciou Sua obra misericordiosa
de ministrar em benefício dos pecadores.
Ao examinar o santuário, em nossos comentários de
Daniel 8:14, vimos que chegou um momento em que o santuário terrestre deu lugar
ao celestial e o ministério sacerdotal foi transferido para este. Antes de se
iniciar o ministério no santuário deviam ser ungidos o tabernáculo e todos os
vasos santos. (Êxodo 40:9, 10). Portanto, o último acontecimento das setenta
semanas que aqui se apresenta é a unção do tabernáculo celestial para que nele
seja iniciado o ministério de nosso grande Sumo sacerdote.
Versículos 25-27:
Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar
Jerusalém, até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas;
as praças e as circunvalações se reedificarão, mas em tempos angustiosos.
Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido e já não estará; e o
povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim
será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações são determinadas. Ele
fará firme aliança com muitos, por uma semana; na metade da semana, fará cessar
o sacrifício e a oferta de manjares; sobre a asa das abominações virá o
assolador, até que a destruição, que está determinada, se derrame sobre ele.
As setenta semanas
subdivididas — O anjo
relata então a Daniel o evento que deve assinalar o início das setenta semanas.
Deviam partir da data em que se proclamara a ordem para restaurar e edificar
Jerusalém. Não só se indica o acontecimento que determina o momento do início
deste período, mas também os eventos que se sucederão no seu término. Desta
forma se nos proporciona uma dupla maneira de provar a aplicação da profecia.
Mas, sobretudo, o período das setenta semanas se divide em três grandes partes.
Uma destas, por sua vez, se subdivide e se indicam os eventos intermediários
que haveriam de assinalar o término de cada uma destas divisões. Se pudermos
achar uma data que se harmonize com todos estes eventos, teremos
indubitavelmente a verdadeira aplicação, pois nenhuma data senão a correta
poderia satisfazer e cumprir tantas condições.
Procure
agora o leitor abarcar com um olhar os pontos de harmonia que se possam
estabelecer, a fim de estar melhor preparado para prevenir-se contra qualquer
aplicação falsa. Devemos achar, no início do período, uma ordem para restaurar
e edificar Jerusalém. Sete semanas deviam ser dedicadas a esta obra de
restauração. Quando chegamos ao fim desta primeira divisão, as sete semanas do
início, devemos achar Jerusalém restaurada em seu aspecto material e
completamente terminada a obra de edificação da praça e do muro. Deste ponto se
medem sessenta e duas semanas. Quando chegamos ao fim desta divisão, sessenta e
nove semanas do início, vemos a manifestação do Messias, o Príncipe diante do mundo.
Temos mais uma semana e se completam as setenta. No meio dessa última semana, o
Messias há de ser cortado e fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares. Ao
terminar este período concedido aos judeus como tempo durante o qual seriam o
povo especial de Deus, veremos naturalmente como passa a outro povo a bênção e
a obra de Deus.
Início das setenta semanas — Averiguaremos agora a data inicial que se
harmoniza com todos esses pormenores. A ordem referente a Jerusalém havia de
incluir algo mais que sua simples construção. Tinha de haver restauração. E
devemos entender por restauração todas as formas e legislações da sociedade
civil, política e judicial. Quando se expediu tal ordem? No momento em que
estas palavras eram dirigidas a Daniel, Jerusalém jazia completamente assolada
e assim estivera durante muitos anos. A restauração que se anunciava para o
futuro devia ser restauração desta desolação. Perguntamos então: Quando e como
Jerusalém foi restaurada depois do cativeiro?
Há quatro
eventos que podem ser considerados como a ordem para restaurar e edificar
Jerusalém. São:
1. O decreto
de Ciro para reedificar a casa de Deus, em 536 a.C. (Esdras 1:1-4).
2. O decreto
de Dario para o prosseguimento daquela obra, que tinha sido estorvada e que foi
dado em 519 a.C. (Esdras 6:1-12).
3. O decreto que Artaxerxes deu a Esdras em 457
a.C. (Esdras 7).
4. A
comissão que o mesmo rei deu a Neemias em seu vigésimo ano, 444 a.C. (Neemias
2).
Se fossem
datadas dos dois primeiros decretos, as setenta semanas proféticas, ou 490 anos
literais, teriam encerrado muitos anos antes do próprio início da era cristã.
Além disso, esses decretos se referiam principalmente à restauração do templo e
de seu culto pelos judeus e não à restauração de seu estado civil e político,
todo o qual deve estar incluído na expressão “para restaurar e edificar
Jerusalém.”
Aqueles
primeiros dois decretos iniciaram a obra. Eram preliminares ao que mais tarde
se realizou. Mas por si mesmos não bastavam para satisfazer os requisitos da
profecia, nem por suas datas nem por sua natureza. Sendo assim deficientes, não
podem considerar-se como ponto de partida para as setenta semanas. A única
questão que nos resta é referente aos decretos que foram concedidos a Esdras e
a Neemias respectivamente.
Os fatos
entre os quais havemos de decidir são em resumo os seguintes: Em 457 a.C., o
imperador persa Artaxerxes Longímano concedeu a Esdras um decreto para que
subisse a Jerusalém com tantos representantes de seu povo quantos quisessem ir.
A permissão lhe outorgava ilimitada quantidade de tesouros, para embelezar a
casa de Deus, para proporcionar oferendas para seu serviço e fazer tudo o mais
que bem lhe parecesse. Facultava-lhe ordenar leis, estabelecer magistrados e
juízes e executar punições até de morte. Em outras palavras, restaurar o estado
judeu no civil e eclesiástico, de acordo com a lei de Deus e os antigos
costumes daquele povo. A Inspiração achou apropriado conservar este decreto; e
achamos uma cópia perfeita e exata em Esdras 7. Este decreto não está escrito
em hebraico, como o resto do livro de Esdras, mas em caldaico oficial, ou
aramaico oriental. Assim podemos consultar o documento original que autorizou
Esdras a restaurar e edificar Jerusalém.
Treze anos
mais tarde, no vigésimo ano do mesmo rei, em 444 a.C. Neemias procurou e obteve
permissão para subir a Jerusalém. (Nee. 2). Mas não temos evidência de que
fosse outra coisa mais que uma permissão oral. Era para ele individualmente e
nada se diz sobre os outros que houvessem de subir com ele. O rei lhe perguntou
quanto duraria a viagem e quando voltaria. Neemias recebeu cartas para os
governadores de além do rio, para que o ajudassem em sua viagem à Judeia e uma
ordem para que o guarda-florestal do rei lhe fornecesse madeira.
Quando
chegou a Jerusalém, encontrou príncipes e sacerdotes, nobres e povo, já
empenhados na obra de edificar Jerusalém. (Neemias 2:16). Agiam, sem dúvida, de
acordo com o decreto dado a Esdras treze anos antes. Finalmente, tendo chegado
a Jerusalém, Neemias concluiu em 52 dias a obra que foi ali realizar. (Neemias
6:15).
Portanto, qual destas comissões, a de Esdras ou a
de Neemias, constitui o decreto para a restauração de Jerusalém, que há de
assinalar o início das setenta semanas? Parece difícil haver dúvida a este
respeito.
Se o cálculo
se inicia com a incumbência dada a Neemias, em 444 a. C, ficam deslocadas todas
as datas que se encontrarem nesse período; porque desde o ano 444 a.C. os
tempos angustiosos que acompanhariam a construção da praça e do muro não
durariam sete semanas, ou 49 anos. Se partimos daquela data, as 69 semanas, ou
483 anos, que haviam de estender-se até o Messias, o Príncipe, nos levam até o
ano 40 de nossa era. Mas Jesus foi batizado por João no Jordão, ouvindo-se a
voz do Pai declará-Lo Seu Filho, no ano 27, ou seja treze anos antes. (Ver S.
Bliss, Analyses of Sacred Chronology, p. 180, 182; Karl
Wieseler, A Chronology Synopsis of the Four Gospels, p. 164-247). De acordo com este cálculo, a metade da última ou
septuagésima semana, que seria assinalada pela crucifixão, cairia no ano 44 de
nossa era; mas sabemos que a crucifixão ocorreu em 31 d.C., treze anos antes.
E, finalmente, as setenta semanas, ou 490 anos, se forem datadas do vigésimo
ano de Artaxerxes, se estenderiam ao ano 47 de nossa era, durante o qual nada
sucedeu que assinale o término desse período. Assim, se o ano 444 a.C. em
concessão a Neemias fosse o evento que inicia as setenta semanas, a profecia
seria falha. Em realidade, ela só prova ser um fracasso a teoria que inicia as
setenta semanas a partir da comissão dada a Neemias no vigésimo ano de
Artaxerxes.
Fica
evidente que o decreto outorgado a Esdras no sétimo ano de Artaxerxes, em 457
a.C., é o ponto de partida das setenta semanas. Então se produzia a saída do
decreto no sentido que a poesia requer. Os dois decretos anteriores eram
preparatórios ou preliminares. De fato, Esdras os considera partes do terceiro,
e considera os três como um todo, pois em Esdras 6:14 lemos: “Edificaram a casa
e a terminaram segundo o mandado do Deus de Israel e segundo o decreto de Ciro,
de Dario e de Artaxerxes, rei da Pérsia.” É de notar-se que aqui se fala dos
decretos desses três reis como se fossem um só “o decreto de Ciro, de Dario e
de Artaxerxes”. Isto demonstra que esses diferentes decretos eram considerados
uma unidade, pois não foram senão os passos sucessivos na execução da obra. Não
poderia dizer-se que havia saído esse decreto como o exigia a profecia, antes
que a última permissão requerida pela profecia estivesse nele incorporado e
revestido com a autoridade do império. Esta condição foi cumprida com a
concessão outorgada a Esdras, e não antes. Com isto o decreto assumiu as
devidas proporções e abrangeu tudo o que a profecia exigia, e desde esse
momento deve datar-se a sua “saída”.
Harmonia das subdivisões — Estarão harmonizadas estas datas se
fizermos a contagem a partir do decreto dado a Esdras? Vejamos. Nesse caso, 457
a.C. é nosso ponto de partida. Concediam-se 49 anos para a edificação da cidade
e do muro. Sobre este ponto, Prideaux diz: “No ano XV de Dario Noto terminaram
as primeiras sete semanas das setenta mencionadas na profecia de Daniel. Porque
então a restauração da Igreja e do Estado dos judeus em Jerusalém e na Judeia
ficou plenamente concluída naquele último ano de reforma registrado no capítulo
13 de Neemias, do versículo 23 até o fim do capítulo, exatamente 49
anosdepois que Esdras a iniciou no sétimo ano de Artaxerxes Longímano.” (Humphrey
Prideaux, The Old and New Testament Connected in the History of the
Jews, vol. 1, p. 322). Isto sucedeu em 408
a.C.
Até aqui encontramos harmonia. Apliquemos a vara de
medir, que é a profecia, a outras partes da história. As 69 semanas, ou 483
anos, se estenderiam até o Messias, o Príncipe. Se partimos de 457 a.C.,
terminam em 27 da nossa era. Que ocorreu então? Lucas assim nos informa: “E
aconteceu que, ao ser todo o povo batizado, também o foi Jesus; e, estando ele
a orar, o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea
como pomba; e ouviu-se uma voz do céu: Tu és o meu Filho amado, em ti me
comprazo.” Lucas 3:21, 22. Depois disso “foi Jesus [...] pregando o evangelho
de Deus, dizendo: O tempo está cumprido.” Marcos 1:14, 15.
O tempo aqui mencionado deve ter sido um período específico,
definido e predito; mas não se pode encontrar outro período profético que
termine ali, exceto as 69 semanas da profecia de Daniel, que haviam de
estender-se até o Messias o Príncipe. O Messias já tinha vindo e com Seus
próprios lábios anunciava o término daquele período que havia de ser assinalado
por Sua manifestação.
[Lucas
declara que Jesus “começava a ser de quase trinta anos” por ocasião de seu
batismo (Lucas 3:23); e quase imediatamente depois, Ele iniciou Seu ministério.
Como, então, pôde Seu ministério começar no ano 27 d.C. e Ele ainda ser da
idade mencionada por Lucas? A resposta a esta pergunta se encontra no fato de
que Cristo nasceu entre três e quatro anos antes do início da era cristã, ou
seja, antes do ano assinalado como o primeiro de tal era. O erro de datar o
início da era cristã, de mais de três anos depois de atraso, em vez de datá-la
do ano de Seu nascimento, surgiu desta maneira: Uma das eras antigas mais
importantes era contada a partir da fundação da cidade de Roma “ab urbe condita”,
expressa pela abreviação A. U. C., ou mais ainda assim, U. C. No ano 532 d.C.,
Dionísio Exíguo, cita de nascimento e abade romano, que viveu no reinado de
Justiniano, inventou a era cristã. De acordo com os melhores dados de que
dispunha, colocou o nascimento de Cristo em 753 U. C. Mas Cristo nasceu antes
da morte de Herodes e a morte de Moisés ocorreu em abril, 750 U. C.
Deduzindo-se alguns meses para os eventos relatados na vida de Cristo antes da
morte de Herodes, a data do Seu nascimento é levada para a última parte de 749
U. C., ou seja um pouco mais de três anos antes do ano 1 d.C. Cristo, pois,
tinha 30 anos de idade no ano 27 d.C.
“A era vulgar
[comum] começou a vigorar no ocidente pela época de Carlos Martel e do Papa
Gregório II, em 730 d.C.; mas não foi sancionada por quaisquer atos ou escritos
públicos até o primeiro Sínodo Germânico, no tempo de Carlomano, duque dos
francos, sínodo que no prefácio se declara congregado no ‘Anno ab Incarnatione
Dom. 742, II Calendas Maii’. Mas essa era não foi estabelecida antes do tempo
do Papa Eugênio IV, em 1431, que ordenou fosse seguida nos registros públicos,
segundo Mariana e outros.” Guilherme Hales, A New Analysis of Chronology, vol. I, p. 84. (Veja-se
também Samuel J. Andrews, Life o four Lord Upon the Earth, p. 29, 30).
Quando se descobriu o erro, a era cristã se tornara
tão bem estabelecida que não se intentou corrigi-la. Não faz diferença alguma,
visto que não afeta o cálculo das datas. Se a era se iniciasse com o ano exato
do nascimento de Cristo, contaria com quatro anos menos e a anterior a Cristo,
com quatro anos mais. Ilustrando: Se um período de vinte anos abrange dez antes
da era cristã e dez nela, dizemos que começou no ano 10 a.C. e terminou no ano
10 d.C. Mas se colocamos o ponto de partida da era realmente no nascimento de
Cristo, não mudará o término do período. Este começará no ano 6 a.C. e chegará
até 14 d.C. Quer dizer que quatro anos serão tirados da época anterior a Cristo
e se acrescentarão quatro anos ao corrente, para dar-nos o verdadeiro ano da
era cristã. Assim seria se o cálculo partisse da data real do nascimento de
Cristo. Mas tal não é o caso, pois o ponto de partida se situa três ou quatro
anos mais tarde. — Comissão Revisora.]
Aqui,
novamente, encontramos harmonia indiscutível. Mas além disso, o Messias ia
confirmar o concerto com muitos por uma semana. Esta seria a última semana das
setenta, ou os últimos sete anos dos 490. Na metade da semana, informa-nos a
profecia, Ele faria cessar o sacrifício e a oferta de manjares. Os ritos
judaicos, que apontavam a morte de Cristo, não cessariam antes da crucifixão.
Nessa ocasião, quando o véu do templo se rasgou, chegaram ao fim, embora se
mantivessem a observância até a destruição de Jerusalém no ano 70 de nossa era.
Depois de sessenta e duas semanas, segundo o registro, o Messias seria
sacrificado. Era como se dissesse: Depois de 62 semanas, na metade da septuagésima,
o Messias será tirado e fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares.
Portanto, a crucifixão fica definitivamente situada no meio da septuagésima
semana.
Data da crucifixão — Torna-se agora importante determinar em que
ano ocorreu a crucifixão. É inquestionável que nosso Salvador assistiu a cada
páscoa que houve durante Seu ministério público, mas encontramos mencionadas
apenas quatro de tais ocasiões antes de Sua crucifixão. Encontram-se nas
seguintes passagens: João 2:13; 5:1; 6:4; 13:1. Durante a última páscoa
mencionada Jesus foi crucificado. Com base nos fatos já estabelecidos, vejamos
onde isto colocaria a crucifixão. Como Ele começou Seu ministério no outono do
ano 27, Sua primeira páscoa ocorreu na primavera do ano 28; a segunda no ano 29;
a terceira no ano 30; e a quarta e última, no ano 31. Isto nos dá três anos e
meio para Seu ministério público e corresponde exatamente à profecia de que Ele
seria tirado na metade da septuagésima semana. Como essa semana de anos começou
no outono do ano 27, a metade da semana ocorreria três anos e meio mais tarde,
na primavera do ano 31, quando ocorreu a crucifixão.
O Dr. Hales
cita Eusébio, que viveu no ano 300 d.C.: “Registra-se na história que todo o
tempo em que nosso Salvador ensinou e operou milagres foi três anos e meio, que
é metade de uma semana [de anos]. Isto João, o evangelista, representará aos
que prestam crítica atenção ao seu Evangelho.”
Acerca das
trevas sobrenaturais que ocorreram na crucifixão, Hales assim fala:
“Por aqui se depreende que as trevas que ‘cobriram
toda a terra da Judeia’ por ocasião da crucifixão de nosso Senhor foram
sobrenaturais, ‘da hora sexta até a hora nona’, ou do meio-dia até às três da
tarde, em sua duração, e também em seu momento, quase no plenilúnio, quando a
lua não podia eclipsar o Sol. O momento em que isso ocorreu e o próprio fato
estão registrados numa curiosa e valiosa passagem de um respeitável cônsul
romano, Aurélio Cassiodoro Senator, por volta do ano 514 de nossa era: ‘No
consulado de Tibério César Augusto V e Aelio Sejano (U. C. 584, ou 31 d.C.)
nosso Senhor Jesus Cristo padeceu, na oitava das calendas de abril (25 de
março), quando ocorreu um eclipse do Sol tal como nunca se viu antes nem
depois.
“Acerca do ano e do
dia concordam também o concílio de Cesareia (196 ou 198 d.C.), a Crônica
Alexandrina, o monge Máximo, Nicéforo Constantino, Cedreno; e acerca do ano,
mas com dias diferentes, concorre Eusébio e Epifânio, seguidos por Kepler,
Bucher, Patino e Petávio, apontando alguns a décima das calendas de abril,
outros a décima-terceira.” (Ver os comentários sobre Daniel 11:22). (Guilherme
Hales, A New Chronology, vol. 1, p. 94).
Encontramos, pois,
treze autores fidedignos que situam a crucifixão de Cristo na primavera do ano
31 d.C. Podemos, portanto, ter esta data como estabelecida. Sendo a metade da
última semana, basta-nos simplesmente contar três anos e meio para trás para
encontrarmos onde terminaram as 69 semanas, e avançar três anos e meio para
saber quando terminaram as setenta semanas. Retrocedendo três anos e meio a
partir da crucifixão ocorrida na primavera do ano 31, chegamos ao outono do ano
27, data em que, como já vimos, terminaram as 69 semanas e Cristo começou Seu
ministério público. Seguindo adiante três anos e meio a partir da crucifixão,
chegamos ao outono do ano 34, que é o grande ponto terminal de todo o período
das setenta semanas. Esta data fica assinalada pelo martírio de Estêvão, a
perseguição dos discípulos de Cristo com que o Sinédrio judaico rejeitou o
Evangelho, e a decisão dos apóstolos de se dirigirem aos gentios. E estes são
exatamente os eventos que se poderia esperar ocorressem quando expirasse o
período especificamente reservado para os judeus.
Pelos fatos expostos vemos que, contando-se as
setenta semanas a partir do decreto dado a Esdras no ano sétimo de Artaxerxes,
em 457 a.C., existe perfeita harmonia em toda a linha. Os acontecimentos
importantes e definidos da manifestação do Messias em Seu batismo, o início de
Seu ministério público, a crucifixão, a rejeição dos judeus e a pregação do
evangelho aos gentios, com a proclamação da nova aliança; todas essas coisas
caem em seu lugar exato, e selam a profecia.
Fim dos 2.300 dias — Terminamos as setenta semanas, mas resta um
período mais longo e outros importantes acontecimentos que se hão de
considerar. As setenta semanas não são mais que os primeiros 490 anos dos
2.300. Subtraindo-se 490 anos de 2.300, restam 1.810. Como já vimos, esses 490
anos terminaram no outono de 34 d.C. Se a essa data acrescentarmos agora os
restantes 1.810 anos, chegaremos ao término de todo o período. Assim, se do
outono de 34 d.C. contarmos 1.810 anos, chegaremos ao outono de 1844. Vemos,
pois, com que celeridade e segurança encontramos a terminação dos 2.300 dias,
uma vez que situamos as setenta semanas.
Por que em 1844? — Pode ser que alguém pergunte como podem
estender-se os dias até o outono de 1844 se eles se iniciaram em 457 a.C., pois
somente são necessários 1843 anos além dos 457, para formar o total de 2.300.
Se prestarmos atenção a um fato, toda dificuldade se esclarecerá: São
necessários 457 anos completos antes de Cristo, e 1843
anos completos depois, para perfazer 2.300. Assim, se o período
tivesse começado já no primeiro dia de 457 a.C., não terminaria até o último dia
de 1843. É evidente a todos que se alguma parte do ano 457 houvesse
transcorrido antes de se iniciarem os 2.300 dias, essa mesma parte do ano de
1844 deve transcorrer antes que termine. Então perguntamos: De que ponto do ano
457 devemos começar a contar? Pelo fato de que os primeiros quarenta e nove
anos foram dedicados à construção da praça e do muro,
deduzimos que esse período deve ser contado, não do momento em que Esdras saiu
de Babilônia, mas do momento em que a obra realmente se iniciou em Jerusalém.
Não há probabilidade de se haver iniciado antes do sétimo mês (outono) de 457,
visto que Esdras não chegou a Jerusalém até o quinto mês do ano. (Esdras 7:9).
Portanto, o todo o período se há de estender até o sétimo mês do calendário
judaico, ou seja, o outono de 1844.
A portentosa
declaração do anjo a Daniel: “Até duas mil e trezentas tardes e manhãs, e o
santuário será purificado” agora fica explicada. Ao buscarmos o que significava
o santuário e sua purificação, como também a aplicação do período, verificamos
não só que esse assunto pode ser facilmente compreendido, mas que o
acontecimento está agora mesmo em pleno cumprimento. Aqui nos detemos por um
breve momento para refletir sobre a solene situação em que nos
encontramos.
Vimos que o
santuário da era cristã é o tabernáculo de Deus no Céu, a casa não feita por
mãos, onde o Senhor ministra em favor de pecadores penitentes, o lugar onde
entre o grande Deus e Seu Filho Jesus Cristo prevalece o “conselho de paz” na
obra de salvação dos homens que perecem. (Zacarias 6:13; Salmos 85:10). Vimos
que a purificação do santuário consiste na remoção dos pecados ali anotados e é
o ato final do ministério que ali se realiza; que a obra de salvação se
centraliza agora no santuário celestial; e que quando o santuário estiver
purificado, a obra terá terminado. Então terá chegado ao seu fim o grande plano
da salvação ideado quando o homem caiu. A misericórdia não mais intercederá, e
se ouvirá a grande voz do trono que está no templo do Céu e que dirá: “Está
feito.” (Apocalipse 16:17). Que sucederá então? Todos os justos terão o dom da
vida eterna; todos os ímpios estarão condenados à morte eterna. Já nenhuma
decisão poderá ser mudada, nenhuma recompensa poderá perder-se e nenhum destino
de desespero poderá alterar-se.
A solene hora do juízo — Vimos (que é o que nos faz sentir a
solenidade do juízo que está às nossas portas) que esse longo período
profético, que assinalaria o início desta obra final no santuário celeste,
terminou. Seus dias findaram em 1844. Desde aquela data a obra final em prol da
salvação do homem tem sido levada a cabo. Ela inclui o exame do caráter de cada
ser humano, pois consiste na remissão dos pecados dos que forem achados dignos
de obter-lhes a remissão e determina quem dentre os mortos são dignos de
ressuscitar. Também decide quem dentre os vivos serão transformados quando vier
o Senhor, e quais tanto dos vivos e dos mortos serão deixados para participar
nas terríveis cenas da segunda morte. Todos podem ver que tal decisão deve ser
tomada antes que o Senhor apareça.
O destino de
cada um ficará determinado pelo que tiver feito no corpo, e cada um será
recompensado conforme suas obras. (2 Coríntios 5:10; Apocalipse 22:12). Nos
livros de registro dos escribas celestiais, encontram-se anotadas as ações de
cada ser humano (Apocalipse 20:12). Na obra final levada a cabo no santuário
esses registros são examinados e as decisões são tomadas de acordo com o que se
encontra ali (Daniel 7:9, 10). É natural supor que o juízo começou com os
primeiros membros da família humana, que seus casos foram examinados primeiro e
uma decisão tomada a esse respeito, e assim sucessivamente com todos os mortos,
geração após geração, em sucessão cronológica, até chegarmos à última, a
geração dos vivos, com cujos casos a obra terminará.
Ninguém pode
saber quanto tempo levará para examinar os casos de todos os mortos, quão breve
a obra chegará ao caso dos vivos. Esta obra solene está sendo realizado desde
1844. As figuras e a própria natureza da obra nos permitem perceber que não
podem durar muito. João, em suas sublimes visões das cenas celestiais, viu
milhões de assistentes empenhados com nosso Senhor em Sua obra sacerdotal.
(Apocalipse 5). Assim prossegue o ministério. Não cessa nem demora e logo há de
terminar para sempre.
Aqui nos
encontramos, pois, diante da última crise da história da família humana, que é
também a maior, a mais solene, e iminente. O plano da salvação está por
terminar. Os últimos preciosos anos de graça quase terminaram. O Senhor está
para vir salvar os que estiverem prontos, aguardando-O, e para exterminar os
indiferentes e incrédulos. Mas ai! que diremos do mundo? Seduzidos pelo erro,
enlouquecidos pelos cuidados de negócios, enlouquecidos pelos prazeres e
paralisados pelos vícios, seus habitantes não têm um momento para ouvir a
solene verdade nem para pensar em seus interesses eternos. Que os filhos de
Deus, que pensam na eternidade, procurem com diligência escapar à corrupção que
pela cobiça há no mundo, e se preparem para o exame escrutinador, quando seus
casos serão apresentados no tribunal celeste.
Recomendamos o assunto do santuário a todo atento
estudante da profecia. No santuário se vê a arca do concerto de Deus, que
contém Sua santa lei. Isto sugere uma reforma em nossa obediência a essa grande
norma moral. A abertura do templo celestial, ou o começo do serviço em seu
segundo compartimento, assinala o início da proclamação feita pelo sétimo anjo.
(Apocalipse 11:15, 19). A obra ali realizada é o fundamento da mensagem do terceiro
anjo de Apocalipse 14, a última mensagem de misericórdia a um mundo que perece.
Este assunto do santuário torna harmoniosos e claros os cumprimentos proféticos
passados, que de outra maneira estariam envoltos na mais impenetrável
obscuridade. Dá-nos uma ideia definida da posição e obra de nosso grande Sumo
Sacerdote e apresenta o plano da salvação em seus aspectos distintivos e
formosos. Faz-nos entender, como nenhum outro assunto, as realidades do juízo e
mostra-nos a preparação de que necessitamos para subsistir no dia que se
aproxima. Mostra-nos que estamos no tempo de espera e nos incita a vigiar, pois
não sabemos quão breve a obra terminará e nosso Senhor virá. Vigiai para que,
vindo subitamente, não vos ache dormindo.
Após
apresentar os grandes eventos relacionados com a missão de nosso Senhor aqui na
Terra, o profeta na última parte de Daniel 9:27 fala da destruição de Jerusalém
pela potência romana; e finalmente da destruição dessa mesma potência, chamada
em nota marginal de “assoladora”.
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