Daniel 07 — A Luta pelo Domínio Mundial
Versículo 1: No primeiro ano de
Belsazar, rei da Babilônia, teve Daniel um sonho e visões ante seus olhos,
quando estava no seu leito; escreveu logo o sonho e relatou a suma de todas as
coisas.
Este é o mesmo Belsazar mencionado em Daniel 5.
Este capítulo cronologicamente precede o quinto; mas a ordem cronológica foi
aqui posta de lado para que a parte histórica do livro fique separada do
resto.
Versículos 2-3: Falou Daniel e disse:
Eu estava olhando, durante a minha visão da noite, e eis que os quatro ventos
do céu agitavam o mar Grande. Quatro animais, grandes, diferentes uns dos
outros, subiam do mar.
O Próprio Daniel
Relata Sua Visão — A linguagem
bíblica deve ser aceita literalmente, a menos que exista boa razão para
considerá-la figurada. Tudo o que é figurado deve ser interpretado pelo que é
literal. Que a linguagem aqui utilizada é simbólica, depreende-se do verso 17,
que diz: “Estes grandes animais, que são quatro, são quatro reis, que se
levantarão da Terra.” E para mostrar que isso se refere a reinos e não
simplesmente a reis individuais, o anjo prossegue: “Mas os santos do Altíssimo
receberão o reino.” Ao explicar o versículo 23, diz o anjo: “O quarto animal
será um quarto reino na Terra.” Portanto, estes animais são símbolos de quatro
grandes reinos. As circunstâncias em que surgiram, segundo a profecia, também
são descritas em linguagem simbólica. Os símbolos introduzidos são os quatro
ventos, o mar, quatro grandes animais, dez chifres e outro chifre que tinha
olhos e uma boca, e fez guerra contra Deus e Seu povo. Temos agora que
averiguar o que significam.
Ventos, em
linguagem simbólica, representam lutas, comoções políticas e guerras, como
lemos em Jeremias: “Assim diz o Senhor dos Exércitos: Eis que o mal passa de
nação para nação, e grande tormenta se levanta dos confins da Terra. Os que o
Senhor entregar à morte naquele dia, se estenderão de uma a outra extremidade
da terra.” (Jeremias 25:32, 33) O profeta fala de uma controvérsia que o Senhor
terá com todas as nações. A luta e a comoção que produz toda esta destruição
denominam-se “grande tempestade” na versão católica A Bíblia de
Jerusalém.
Que o vento
denota luta e guerra é evidente pela própria visão. Como resultado do soprar
dos ventos, reinos surgem e caem por meio de luta política.
Mares ou
águas, quando usados como símbolo bíblico, representam povos, nações e línguas.
Disse o anjo ao profeta João: “As águas que viste [...] são povos, multidões,
nações e línguas.” (Apocalipse 17:15)
A definição
do símbolo dos quatro animais é dada a Daniel antes do fim da visão: “Estes
grandes animais, que são quatro, são quatro reis, que se levantarão da Terra.”
(versículo 17) Com esta explicação dos símbolos, abre-se definitivamente diante
de nós o campo da visão.
Visto que
estes animais representam quatro reis, ou reinos, perguntamos: Por onde
começaremos e quais são os quatro impérios representados? Estes animais
consecutivamente, visto que são numeradas desde a primeira até a quarta. A
última subsiste quando todas as cenas terrenas cessam com o juízo final. Desde
o tempo de Daniel até o fim da história deste mundo, haveria apenas quatro
reinos universais, como aprendemos do sonho de Nabucodonosor sobre a grande
imagem de Daniel 2, interpretado pelo profeta 65 anos. Daniel vivia ainda sob o
reino representado pela cabeça de ouro.
O primeiro
animal desta visão deve, portanto, representar o mesmo reino que a cabeça de
ouro da grande imagem, a saber, Babilônia. Os outros animais, sem dúvida,
representam os reinos sucessivos representados pela imagem. Mas se esta visão
abrange essencialmente o mesmo período que a imagem de Daniel 2, alguém pode
indagar: Por que foi dada? Não foi suficiente a primeira visão? Respondemos: A
história dos impérios mundiais é apresentada repetidas vezes para ressaltar
certas características, fatos e dados adicionais. É-nos dada, segundo as
Escrituras, a lição: “regra sobre regra.” No capítulo dois, são apresentados
apenas os aspectos políticos do domínio mundial. No capítulo 7, os governos terrenos
são-nos apresentados com relação à verdade e ao povo de Deus. Seu verdadeiro
caráter é revelado pelos símbolos de animais ferozes.
Versículo 4: O primeiro era como
leão, e tinha asas de águia; enquanto eu olhava, foram-lhe arrancadas as asas, foi
levantado da terra, e posto em dois pés como homem; e lhe foi dada mente de
homem.
O Leão — Na visão de Daniel 7, o primeiro animal
visto pelo profeta foi um leão. Sobre o uso do leão como símbolo ver Jeremias
4:7; 50:17, 43, 44. A princípio o leão tinha asas de águia, o que denota a
rapidez com que Babilônia estendeu suas conquistas sob Nabucodonosor. Na visão
que estudamos o leão aparece com asas de águia. O uso simbólico das asas foi
descrito de modo impressionante em Habacuque 1:6-8, onde lemos que os caldeus
“voam como águia que se precipita a devorar”.
Podemos
facilmente deduzir destes símbolos que Babilônia era um reino de grande
fortaleza, e que sob Nabucodonosor suas conquistas se estenderam com grande
rapidez. Mas veio o momento quando suas asas lhe foram arrancadas. O leão já
não se precipitava como águia sobre sua presa. Foram-se a audácia e o espírito
de leão. Um coração de homem, fraco, temeroso e desfalecente, substituiu a
força do leão. Tal foi o estado da nação durante os anos finais de sua
história, quando se tornou fraca e afeminada pela riqueza e luxo.
Versículo 5: Continuei olhando, e eis
aqui o segundo animal, semelhante a um urso, o qual se levantou sobre um dos
seus lados; na boca, entre os dentes, trazia três costelas; e lhe diziam:
Levanta-te, devora muita carne.
O Urso — Assim como na grande imagem de Daniel 2,
nota-se, nesta série de símbolos, marcante deterioração à medida que descemos
de um reino a outro. A prata do peito e dos braços é inferior ao ouro da
cabeça. O urso é inferior ao leão. Medo Pérsia ficou muito aquém de Babilônia
quanto à riqueza, magnificência e brilho. O urso se levantou sobre um dos seus
lados. O reino estava composto de duas nacionalidades, os medos e os persas. O
mesmo fato foi indicado mais tarde pelos dois chifres do carneiro de Daniel 8.
Acerca destes chifres se diz que o mais alto subiu por último; e do urso, o
texto diz que se erguia mais de um lado que do outro. Isto se cumpriu com a
divisão persa do reino, a qual subiu por último, mas alcançou maior eminência
que a dos medos, e sua influência predominou sobre a nação. (Ver os comentários
sobre Daniel 8:3). As três costelas significam indubitavelmente as três
províncias de Babilônia, Lídia e Egito, que foram especialmente oprimidas pela
Medo Pérsia. A ordem: “Levanta-te, devora muita carne”, referia-se naturalmente
ao estímulo que a conquista dessas províncias deu aos medos e persas. O caráter
dessa potência está bem representado por um urso. Os medos e os persas eram
cruéis e dados à prática de furto, ladrões e saqueadores do povo. O reino medo-persa
continuou desde a submissão de Babilônia por Ciro até a batalha de Arbela em
331 a.C., ou seja, um período de 207 anos.
Versículo 6: Depois disto, continuei
olhando, e eis aqui outro, semelhante a um leopardo, e tinha nas costas quatro
asas de ave; tinha também este animal quatro cabeças, e foi-lhe dado domínio.
O Leopardo — O terceiro reino, a Grécia, é representado
pelo símbolo de um leopardo. Se as asas do leão significavam rapidez nas
conquistas, devem significar o mesmo aqui. O próprio leopardo é um animal muito
rápido, mas isso não bastava para representar a carreira da nação aqui
simbolizada; precisava ter asas. E duas asas, ou seja, o número de asas que o
leão tinha, não eram suficientes; o leopardo tinha de ter quatro. Isso denota
celeridade de movimento sem precedente, que de fato encontramos na história do
reino grego. As conquistas da Grécia sob a direção de Alexandre não tiveram
paralelo nos tempos antigos em seu caráter repentino e veloz. Suas realizações
militares foram assim resumidas por W. W. Tarn:
“Era mestre na
combinação de várias armas; ensinou o mundo as vantagens das campanhas de
inverno, o valor da perseverança levada ao máximo, e o princípio assim
expresso: ‘Marchar divididos, lutar unidos’. Seu exército geralmente marchava
em duas divisões, uma delas portando os fardos, enquanto que sua própria
divisão viajava com pouca carga, e a velocidade de seus movimentos era
extraordinária. Conta-se que ele atribuía seu êxito militar ao fato de que
‘nunca postergava nada’. [...] As enormes distâncias que atravessou em países
desconhecidos implicam um alto grau de capacidade organizadora. Em dez anos
teve apenas dois graves reveses. [...] Se um homem de menor calibre tivesse
tentado o que ele realizou, e fracassasse, teríamos ouvido o suficiente sobre
as dificuldades militares desesperadas da empresa.”
“Tinha também este
animal quatro cabeças” — O império
grego manteve sua unidade por pouco mais tempo após a morte de Alexandre. Após
sua brilhante carreira terminar por uma febre causada por orgia e bebedeira, o
império ficou dividido entre seus quatro generais principais. A Cassandro coube
a Macedônia e o ocidente da Grécia; Lisímaco recebeu a Trácia e partes da Ásia
que estão no Helesponto e o Bósforo ao norte. Ptolomeu obteve o Egito, a Lídia,
a Arábia e a Palestina ao sul; e Seleuco recebeu a Síria e o resto dos domínios
de Alexandre no oriente. E no ano 301 a.C., com a morte de Antígono, os
generais de Alexandre completaram a divisão do reino em quatro partes, que
indicavam as quatro cabeças do leopardo.
As palavras
do profeta se cumpriram com exatidão. Já que Alexandre não deixou sucessor
disponível, por que o colossal império não se partiu em pequenos fragmentos? Por
que se dividiu apenas em quatro partes? Simplesmente porque a profecia previu e
predisse. O leopardo tinha quatro cabeças, o bode tinha quatro chifres, o reino
havia de ter quatro divisões; e assim aconteceu. (Ver os comentários mais
completos sobre Daniel 8).
Versículo 7: Depois disto, eu
continuava olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível,
espantoso e sobremodo forte, o qual tinha grandes dentes de ferro; ele
devorava, e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobejava; era diferente de
todos os animais que apareceram antes dele e tinha dez chifres.
Um Animal Espantoso — A inspiração não achou, na natureza, animal
algum para simbolizar o poder aqui ilustrado. Não bastaria o acréscimo de
cascos, cabeças, chifres, asas, escamas, dentes ou unhas a qualquer animal
encontrado na natureza. Esta potência difere de todas as outras, e o símbolo é
completamente diferente de tudo no reino animal.
Poderia
basear-se um volume inteiro no versículo 7; mas, por falta de espaço, somos obrigados
a tratá-lo do modo mais breve aqui. Este animal corresponde, naturalmente, à
quarta divisão da grande imagem: as pernas de ferro. No comentário de Daniel
2:40, demos algumas das razões que temos para crer que essa potência é Roma. As
mesmas razões se aplicam à profecia que ora estudamos. Com que exatidão Roma
correspondeu à porção férrea da imagem! Com que exatidão corresponde ao animal
que temos diante de nós! Pelo espanto e terror que inspirava e por sua grande
força, Roma correspondeu admiravelmente à descrição profética. Nunca dantes o
mundo tinha visto coisa igual. Devorava como com dentes de ferro, e despedaçava
tudo o que se lhe opunha. Reduzia ao pó as nações sob seus pés de bronze. Tinha
dez chifres que, segundo se explica no versículo 24, seriam dez reis, ou
reinos, que surgiriam desse império. Como já se notou nos comentários sobre
Daniel 2, Roma foi dividida em dez reinos. Estas divisões são desde então
mencionadas como as dez divisões do império romano.
Versículo 8: Estando eu a observar os
chifres, eis que entre eles subiu outro pequeno, diante do qual três dos
primeiros chifres foram arrancados; e eis que neste chifre havia olhos, como os
de homem, e uma boca que falava com insolência.
Daniel estava considerando os chifres do animal e
notou um movimento estranho entre eles. Outro chifre, a princípio pequeno e
posteriormente mais corpulento que seus companheiros, foi subindo. Não se
contentou com achar tranquilamente seu lugar e ocupá-lo; tinha que empurrar a
um lado alguns dos outros chifres e usurpar-lhes o lugar. Três reinos foram
arrancados diante dele.
Um Chifre Pequeno Entre os Dez — Este chifre pequeno, como teremos mais
tarde ocasião de notar mais amplamente, foi o papado. Os três chifres
arrancados diante dele representavam os hérulos, os ostrogodos e os vândalos. A
razão pela qual foram arrancados foi sua oposição aos ensinos e pretensões da
hierarquia papal.
“Neste chifre havia olhos, como os de homem, e
uma boca que falava com insolência” — Os olhos eram emblemas adequados de astúcia, da penetração,
astúcia e as arrogantes pretensões de uma organização religiosa apóstata.
Versículos 9-10: Continuei olhando,
até que foram postos uns tronos, e o Ancião de dias Se assentou; Sua veste era
branca como a neve, e os cabelos da cabeça como a pura lã; o Seu trono era
chamas de fogo, cujas rodas eram fogo ardente. Um rio de fogo manava e saía de
diante dEle; milhares de milhares O serviam, e miríade de miríade estavam
diante dEle; assentou-se o tribunal, e se abriram os livros.
Uma Cena de Juízo — Na Palavra de Deus não se encontrará
descrição mais sublime de uma cena mais inspiradora. Mas não somente as
grandiosas imagens nos devem chamar a atenção; a natureza da própria cena exige
nossa mais séria consideração. Aqui o juízo é apresentado. Sempre que se
menciona o juízo, a reverência deve de modo irresistível ocupar todas as
mentes, pois todos têm interesse em seus resultados eternos.
Por uma
tradução inadequada do versículo 9, certas versões criam uma ideia equivocada
com relação aos tronos. A expressão “foram postos” resulta de uma palavra que
no original não significa colocar sobre o chão, mas erigir. A palavra remi,
que pode verter-se apropriadamente por “lançar ou arremessar”, como é
claramente seu significado e, por isso, é usado para descrever o lançamento dos
três hebreus à fornalha de fogo e de Daniel na cova dos leões. Mas outra
tradução igualmente correta é “pôr em ordem”, como seria a colocação dos
assentos do juízo aqui mencionados, ou um ordenamento semelhante ao mencionado
em Apocalipse 4:2, onde o grego tem o mesmo significado. Por isso são corretas
as traduções de Daniel 7:9 que dizem “foram postos uns tronos”. Assim define
precisamente Gesênio o radical remah, com referência a Daniel
7:9.
O “Ancião de dias”, Deus o Pai, preside o juízo.
Note-se a descrição do Ser Supremo. Para os que creem na impessoalidade de Deus
é forçoso reconhecer que Ele é aqui descrito como Ser pessoal; mas ousam dizer
que é a única descrição deste gênero na Bíblia. Não admitimos esta última
afirmação; mas, aceitando que fosse verdadeira, não se torna, uma descrição
desta classe, tão fatal à teoria deles como se fosse repetida muitas vezes? Os
milhares de milhares que ministram perante Ele não são pecadores arrolados diante
do tribunal, mas seres celestiais que servem diante dEle, cumprindo Sua
vontade. João viu os mesmos assistentes celestiais diante do trono de Deus, e
descreve a majestosa cena nestas palavras: “Vi, e ouvi uma voz de muitos anjos
ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões
de milhões e milhares de milhares.” (Apocalipse 5:11) Para compreender melhor
estes versículos é preciso compreender os serviços do santuário.
Porque o
juízo aqui introduzido é a parte final do ministério de Cristo, nosso grande
Sumo Sacerdote, no santuário celestial. É um juízo investigativo. Abrem-se os
livros, e os casos de todos são apresentados para serem examinados por esse
grande tribunal, para que se possa decidir quais os que receberão a vida eterna
quando o Senhor vier para conferi-la a Seu povo.
Outra
passagem, Daniel 8:14, atesta que essa obra solene está sendo realizada agora
mesmo no santuário celestial.
Versículos 11-12: Então estive
olhando, por causa da voz das insolentes palavras que o chifre proferia; estive
olhando e vi que o animal foi morto, e o seu corpo desfeito e entregue para se
queimado pelo fogo. Quanto aos outros animais, foi-lhes tirado o domínio;
todavia, foi-lhes dada prolongação de vida por um prazo e um tempo.
Fim do Quarto
Animal — Há os que creem que haverá,
antes da vinda do Senhor, um milênio de triunfo evangélico e reinado de justiça
em todo o mundo. Outros creem que haverá um tempo de graça depois que o Senhor
vier, e que durante este prazo, os justos imortais ainda proclamarão o
evangelho aos pecadores mortais, e os levarão ao caminho da salvação. Nem uma
nem outra destas teorias encontra apoio na Bíblia, segundo veremos.
O quarto
animal terrível continua sem haver mudança em seu caráter, e o chifre pequeno
continua a proferir suas blasfêmias, encerrando seus milhões de adeptos nas
ataduras da cega superstição, até que a besta é entregue às chamas devoradoras.
Isso não representa sua conversão, mas sua destruição. (Veja-se 2
Tessalonicenses 2:8).
A vida do
quarto animal não se prolonga depois de desaparecer seu domínio, como ocorreu
com a vida dos animais precedentes. Foi-lhe tirado o domínio, mas sua vida se
prolongou por um tempo. O território dos súditos do reino de Babilônia
continuava existindo, embora sujeito aos persas. Assim também sucedeu com o
reino persa com relação à Grécia, e a esta no tocante a Roma. Mas que sucede ao
quarto reino? O que o segue não é um governo ou estado em que tenham parte os
mortais. Sua carreira termina no lago de fogo, e não tem existência posterior.
O leão foi absorvido pelo urso; o urso pelo leopardo; o leopardo pelo quarto
animal. Mas o quarto animal não se fusiona com outro animal. Será lançado no
lago de fogo.
Versículos 13-14: Eu estava olhando
nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o
Filho do homem, e dirigiu-se ao Ancião de dias, e o fizeram chegar até Ele.
Foi-Lhe dado domínio e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de
todas as línguas O servissem; o Seu domínio é domínio eterno, que não passará,
e o Seu reino jamais será destruído.
O Filho do Homem
Recebe o Reino — A cena aqui
descrita não é a segundo vinda de Cristo a esta Terra, porque o Ancião de dias
não está nesta Terra; e a vinda da qual aqui se fala é a do Ancião de dias.
Ali, na presença do Pai, um reino, domínio e glória são dados ao Filho do
homem. Cristo recebe o reino antes de Sua volta a esta Terra. (Ver Lucas
19:10-12). Portanto, esta é uma cena que sucede no Céu, e está intimamente
relacionada com a apresentada nos versículos 9 e 10. Cristo recebe o reino no
encerramento de Sua obra sacerdotal no santuário. Os povos e nações que O
servirão são os redimidos (Apocalipse 21:24), não as nações ímpias da Terra,
pois estas são destruídas na segundo advento de Cristo e pelo resplendor de Sua
vinda. (Salmos 2:9; 2 Tessalonicenses 2:8). De todas as nações, tribos e povos
da Terra sairão aqueles que servirão a Deus, com júbilo e alegria. Herdarão o
reino de nosso Senhor.
Versículos 15-18: Quanto a mim,
Daniel, o meu espírito foi alarmado dentro de mim, e as visões da minha cabeça
me perturbaram. Cheguei-me a um dos que estavam perto e lhe pedi a verdade
acerca de tudo isto. Assim, ele me disse e me fez saber a interpretação das
coisas: Estes grandes animais, que são quatro, são quatro reis que se
levantarão da terra. Mas os santos do Altíssimo receberão o reino e o possuirão
para todo o sempre, de eternidade em eternidade.
A Interpretação
Dada a Daniel — Não devemos
ser menos ansiosos do que Daniel para compreender a verdade destas coisas.
Temos certeza que quando indagarmos com sinceridade de coração, encontraremos o
Senhor não menos pronto agora do que nos dias do profeta a levar-nos a um
conhecimento correto destas importantes verdades. Os animais e os reinos que
eles representam já foram explicados. Temos seguido o profeta em todo o curso
dos acontecimentos, até a completa destruição do quarto e último animal, a
derribada final de todos os governos terrestres.
Logo a cena
muda, porque lemos: “Os santos receberão o reino.” Os santos que foram
desprezados, cobertos de opróbrio, perseguidos, rejeitados, considerados dentre
todos os seres humanos os menos indicados para verem realizadas suas
esperanças; esses receberão o reino e o possuirão para sempre. A usurpação e os
desmandos dos ímpios findarão. A herança perdida será redimida. A paz e a
justiça reinarão eternamente em toda a formosa expansão da Terra
renovada.
Versículos 19-20: Então, tive desejo
de conhecer a verdade a respeito do quarto animal, que era diferente de todos
os outros, muito terrível, cujos dentes eram de ferro, cujas
unhas eram de bronze, que devorava, fazia em pedaços e pisava aos pés o que
sobejava; e também a respeito dos dez chifres que tinha na cabeça e do outro
que subiu, diante do qual caíram três, daquele chifre que tinha olhos e uma
boca que falava com insolência e parecia mais robusto do que os seus
companheiros.
A Verdade a
Respeito do Quarto Animal — Daniel
compreendia tão claramente os três primeiros animais desta visão, que nenhuma
dificuldade teve com referência a eles. Ficou, porém, assombrado com o quarto
animal, tão espantoso e contrário à natureza. Acerca deste animal e de seus dez
chifres que vieram depois, e que era maior que seus companheiros, queria mais
informação. O leão é um produto da natureza, mas precisava ter duas asas para
representar o reino de Babilônia. O urso também se encontra na natureza, mas
como símbolo da Medo Pérsia, as três costelas na boca do animal denotam uma
ferocidade não natural. O leopardo é também um animal da natureza, mas para
representar apropriadamente a Grécia, era preciso acrescentar-lhe quatro asas e
quatro cabeças. Mas a natureza não fornece símbolo algum que possa
adequadamente ilustrar o quarto reino. Toma-se então um animal nunca visto, um
animal terrível e espantoso, com unhas de bronze e dentes de ferro, tão cruel,
rapinante e feroz que, por mero amor à opressão, devorava, despedaçava e pisava
aos pés suas vítimas.
Por
assombroso que isto fosse ao profeta, logo lhe chamou a atenção algo ainda mais
notável. Um chifre pequeno subiu e, fiel à natureza do animal de que se
originou, afastou três companheiros seus. Era um chifre que tinha olhos, não os
olhos incultos de um bruto, mas olhos penetrantes, argutos e inteligentes de
homem. Mais estranho ainda, tinha uma boca, e com essa boca expressava palavras
de orgulho e arrogância. Não é de admirar que o profeta fizesse uma indagação
especial acerca deste monstro, tão irreal em seus instintos e tão feroz em suas
obras e maneiras. Nos versículos seguintes são dadas sobre o chifre pequeno,
especificações que capacitam o estudante da profecia a fazer aplicação deste
símbolo sem perigo de engano.
Versículos 21-22: Eu olhava e eis que
este chifre fazia guerra contra os santos e prevalecia contra eles, até que
veio o Ancião de Dias e fez justiça aos santos do Altíssimo; e veio o tempo em
que os santos possuíram o reino.
O Chifre Pequeno
Guerreava Contra os Santos — A
assombrosa ira deste chifre pequeno contra os santos atraiu particularmente a
atenção de Daniel. O surgimento dos dez chifres, ou seja, a divisão de Roma em
dez reinos, entre os anos 351 e 483 d.C. já foi estudada nos comentários sobre
Daniel 2:41.
Como estes
chifres significam reinos, o chifre pequeno também deve denotar um reino, mas
não da mesma natureza que os demais, porque era diferente dos outros, que eram
reinos políticos. Agora basta averiguarmos se desde 476 d.C. surgiu entre as
dez divisões do Império romano algum reino diferente de todos os demais; e se
houve, qual foi? A resposta é: Sim, o reino espiritual do papado. Corresponde
em todos os pormenores ao símbolo. Ver as especificações mais particularmente à
medida procedamos em nosso estudo.
Daniel viu
este poder fazer guerra contra os santos. Tal guerra foi feita pelo papado?
Milhares de mártires respondem que sim. Testemunham-no as cruéis perseguições
infligidas pelo poder papal aos valdenses, aos albigenses e aos protestantes em
geral.
No versículo
22 parecem apresentar-se em visão três eventos consecutivos. Olhando à frente
desde o tempo em que o chifre pequeno estava no apogeu do seu poder até o
término da longa controvérsia entre os santos e Satanás com todos os seus
agentes, Daniel vê três importantes acontecimentos que se destacam como marcos
miliários ao longo do caminho:
1. A vinda
do Ancião de dias, ou seja, a posição que Jeová ocupa na abertura do juízo
descrita nos versículos 9 e 10.
2. O juízo
que é dado aos santos, a saber, o momento em que os santos se sentam para
julgar com Cristo durante mil anos, depois da primeira ressurreição (Apocalipse
20:1-4), designando aos ímpios o castigo merecido por seus pecados. Os mártires
se sentarão então para julgar o grande poder perseguidor que, em seus dias de
aflição, os perseguia como as feras do deserto, e derramava seu sangue como
água.
3. O momento em que os santos entram na posse do
reino, quer dizer, quando recebem a Nova Terra. Então terá sido apagado o
último vestígio da maldição do pecado e dos pecadores, raiz e ramo, e o
território por tanto tempo foi mal governado pelos ímpios poderes da Terra, os
inimigos do povo de Deus, será dado aos justos, a fim de que o possuam para
sempre. (1 Coríntios 6:2, 3; Mateus 25:34).
Versículos 23-26: Então, ele disse: O
quarto animal será um quarto reino na terra, o qual será diferente de todos os
reinos; e devorará toda a terra, e a pisará aos pés, e a fará em pedaços. Os
dez chifres correspondem a dez reis que se levantarão daquele mesmo reino; e,
depois deles, se levantará outro, o qual será diferente dos primeiros, e
abaterá a três reis. Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos
do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão
entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo. Mas,
depois, se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o destruir e o
consumir até ao fim.
Surgimento e Obra
do Chifre Pequeno — Talvez já
se tenha dito o suficiente acerca do quarto animal (Roma) e os dez chifres, ou
dez reinos, que surgiram dessa potência. O chifre pequeno requer agora atenção
especial. Como se declara nos comentários sobre o versículo 8, encontramos o
cumprimento da profecia concernente à ponta pequena no surgimento e na obra do
papado. É tão importante quão interessante, por isso, averiguar as causas que
produziram o desenvolvimento desta potência arrogante.
Os primeiros
pastores ou bispos de Roma desfrutavam um respeito proporcional à hierarquia da
cidade na qual residiam. Durante os primeiros séculos da era cristã, Roma foi a
maior, mais rica e mais poderosa cidade do mundo. Foi a sede do império, a
capital das nações. “Todos os habitantes da Terra pertencem a Roma”, disse
Juliano; e Claudino a declarou “a fonte das leis”. “Se Roma é a rainha das
cidades, porque não haveria de ser seu pastor o rei dos bispos?” era o
raciocínio apresentado por estes romanos. “Por que não haveria de ser a igreja
romana a mãe da cristandade? Por que não haveriam de ser todas as nações suas
filhas, e sua autoridade a lei soberana? Para o coração ambicioso do homem era
fácil raciocinar assim — diz d’Aubigné (História da Reforma, Vol. 1, p.
8), cujas palavras citamos. — Assim o fez a ambiciosa Roma.”
Aos bispos
das diferentes partes do império romano aprazia tributar parte da honra que a
cidade recebia das nações da Terra. Originalmente a honra que lhe tributavam
não era da parte deles indício de que dependiam dele. “Mas” — continua
d’Aubigné — “o poder usurpado cresce como uma avalancha. Admoestações a
princípio simplesmente fraternais não tardaram a tornar-se ordens absolutas na
boca do pontífice. [...] Os bispos ocidentais favoreciam esta usurpação dos
pastores romanos, fosse por seu ciúme dos bispos orientais, ou por preferirem
submeter-se à supremacia de um papa, em vez de se submeterem ao domínio de um
poder temporal.” (Idem, p. 9) Tais foram as influências que se concentraram ao
redor do bispo de Roma, e assim tendeu tudo a rapidamente elevá-lo ao domínio
espiritual da cristandade.
O Desafio do
Arianismo — Mas o
quarto século estava destinado a presenciar como se cruzava um obstáculo no
caminho desse sonho ambicioso. A profecia tinha declarado que o poder
representado pelo chifre pequeno derribaria três reis. No surgimento e
desenvolvimento do arianismo, a princípios do século IV, e o desafio
apresentado pela supremacia papal, encontramos as causas que levaram ao
arrancar dos três reinos de Roma ocidental pelo poder papal.
Ário, pároco
da antiga e influente igreja de Alexandria, pregou sua doutrina ao mundo e ocasionou
tão violenta controvérsia na igreja cristã, que o imperador Constantino
convocou o concílio geral de Niceia em 325 para considerar e decidir acerca da
doutrina ariana. Ário sustentava “que o Filho era total e essencialmente
distinto do Pai; que era o primeiro e mais nobre dos seres que o Pai criou do
nada, o instrumento por cuja operação subordinada ao Pai Todo-Poderoso formou o
universo, e portanto era inferior ao Pai tanto em Sua natureza como em Sua
dignidade.” Esta opinião foi condenada pelo concílio, o qual decretou que
Cristo era de uma mesma substância com o Pai. Com isso Ário foi desterrado para
a Ilíria, e seus seguidores foram obrigados a dar seu assentimento ao credo
composto naquela ocasião. (Mosheim, século 4, parte 2, cap. 4; Stanley, History
of the Eastern Church [História da Igreja Oriental], p. 239).
Contudo, a
própria controvérsia não seria suprimida desta maneira sumária, mas continuaria
por séculos a agitar o mundo cristão; e os arianos se fizeram, por toda parte,
acerbos inimigos do papa e da igreja Católica Romana. Estes fatos evidenciam
que a difusão do arianismo tolheria a influência do catolicismo, e que a posse
de Roma e da Itália por um povo ariano seria fatal para a supremacia de um
bispo católico. Mas a profecia declarara que este chifre chegaria ao poder
supremo e que, para alcançar esta situação, subjugaria três reis.
O Chifre Pequeno Derriba Três Potências
Arianas — Tem havido
certa divergência de opinião quanto às potências que foram derribadas para a
ascensão do papado. Com relação a isso parecem bem pertinentes as seguintes
observações de Albert Barnes: “Na confusão que existiu ao se fragmentar o
império romano, e pelos relatos imperfeitos dos fatos ocorridos na ascensão do
poder papal, não é de estranhar a dificuldade de achar anais bem claros dos
acontecimentos que haveriam de ser em todos os aspectos um exato e absoluto
cumprimento da visão. Entretanto, na história do papado é possível discernir o
cumprimento dela com um grau razoável de certeza.”
José Mede supõe
que os três reinos arrancados foram os gregos, os lombardos e os francos; e Sir
Isaac Newton supõe que foram o exarcado de Ravena, os lombardos, o senado e o
ducado de Roma. Tomás Newton (Dissertations on the Prophecies, p. 217,
218) opõe sérias objeções a ambas as suposições. “Os francos não poderiam ser
um desses reinos, pois nunca foram desarraigados. Os lombardos não poderiam
ser, porque nunca foram submetidos pelos papas.” Diz Albert Barnes: “Não acho,
na verdade, que o reino dos lombardos estivesse, como se declara comumente,
entre o número das soberanias temporais que foram submetidas à autoridade dos
papas.” (Albert Barnes, Notes on Daniel, p. 327, sobre Daniel
7:25). O senado e o ducado de Roma não puderam ser um desses chifres, pois
nunca vieram a constituir um dos dez reinos, três dos quais foram arrancados
diante do chifre pequeno.
Percebemos,
porém, que a principal dificuldade na aplicação que estes comentadores fizeram
da profecia consistia no fato de suporem que a profecia sobre a exaltação do
papado não se havia cumprido e não podia cumprir-se até o papa se tornar
príncipe temporal. Por isso, procuravam encontrar o cumprimento da profecia nos
acontecimentos que favoreceram a soberania temporal do papa. Mas evidentemente
a profecia dos versículos 24 e 25 se refere, não ao seu poder civil, mas ao seu
poder de dominar a mente e a consciência dos homens. O papa alcançou essa
posição em 538 d.C., como se verá mais tarde.
A palavra
“diante” usada nos versículos 8 e 20 é a tradução do grego qadam,
cujo radical significa “frente a”. Combinada com min, que significa
“de”, como se encontra nestes dois versículos, Davidson a traduz “da presença
de”, e Gesênio diz que equivale ao termo hebraico lipna, que
significa “na presença de”. Portanto corresponde a nosso advérbio de lugar
“diante de”, como sucede na mesma frase que se encontra no versículo 10, onde
se traduz de modo adequado “diante dele”. Temos, pois, no versículo 8 o quadro
do chifre pequeno que vai subindo entre os dez e arranca pela força três
chifres diante de si. No versículo 20 é declarado que três chifres “caíram”
diante dele, como se fossem vencidos por ele. No versículo 24, lemos que outro
rei, que representa o chifre pequeno “abaterá a três reis [chifres]”,
evidentemente por atos de força. Embora a palavra qadam é
usada também para denotar uma comparação de tempo, como no versículo 7, onde é
vertida pela palavra “antes”, não resta a menor dúvida de que se usa como
advérbio de lugar nos três versículos citados acima. Com esta interpretação
está de acordo Eduardo Elliot.
Positivamente
afirmamos que as três potências ou chifres arrancados diante do papado foram os
hérulos, os vândalos e os ostrogodos, e esta posição se baseia em dados
históricos fidedignos. Odoacro, o chefe os hérulos, foi o primeiro dos bárbaros
que reinaram sobre os romanos. Subiu ao trono da Itália em 476, segundo Gibbon,
que diz, acerca de suas crenças religiosas: “Como o resto dos bárbaros, tinha
sido instruído na heresia ariana; mas reverenciava os caracteres monásticos e
episcopais; e o silêncio dos católicos atesta a tolerância que lhes concedeu” (Decline
and Fall of the Roman Empire, Vol. 3, cap. 36, p. 510, 515, 516).
O mesmo
autor declara: “Os ostrogodos, os burgúndios, os suevos e os vândalos, que haviam
escutado a eloquência do clero latino, preferiam as lições mais inteligíveis de
seus mestres domésticos; e o arianismo foi adotado como a fé nacional dos
guerreiros conversos que se haviam assentado sobre as ruínas do Império
Ocidental. Essa irreconciliável diferença de religião era fonte perene de ciúme
e ódio; e a censura de ser bárbaro era exacerbado pelo epíteto mais odioso
de herético. Os heróis do norte, que se haviam submetido com certa
relutância a crer que todos os seus antepassados estavam no inferno, ficaram
assombrados e exasperados ao saberem que eles próprios haviam apenas mudado o
modo de sua condenação eterna” (Idem, cap. 37, p. 547).
A doutrina
ariana teve uma influência notável sobre a igreja daquele tempo, como
demonstram os seguintes parágrafos:
Stanley
(History of the Eastern Church, p. 151) diz:
“Toda a vasta
população goda que desceu sobre o Império Romano, no que tinha de cristã,
acatou a fé do herege alexandrino. Nossa primeira versão teutônica das
Escrituras foi feita por um missionário ariano, Ulfilas. O primeiro
conquistador de Roma, Alarico, e o primeiro conquistador da África, Genserico,
eram arianos. Teodorico o Grande, rei da Itália e herói mencionado na epopeia
dos nibelungos era ariano. O lugar vazio em sua tumba maciça de Ravena atesta a
vingança que os ortodoxos tomaram contra sua memória, quando derribaram, em
triunfo, a urna de pórfiro em que seus súditos arianos lhe haviam guardado as
cinzas.”
Ranke (History
of the Popes, Vol. 1, p. 9) diz:
“Porém, ela [a
igreja] caiu, como era inevitável, em muitas situações embaraçosas, e viu-se
numa condição completamente alterada. Um povo pagão se apoderou da
Grã-Bretanha; reis arianos tomaram a maior parte do resto do Ocidente; ao passo
que os lombardos, por longo tempo fiéis ao arianismo, estabeleceram, como seus
vizinhos mais perigosos e hostis, poderosa soberania mesmo às portas de Roma.
Enquanto isso os bispos romanos, assediados por todos os lados, se esforçaram,
com toda a prudência e perseverança que continuaram sendo seus atributos
peculiares, para recuperar o domínio, ao menos em sua diocese patriarcal.
Maquiavel (History
of Florence, p. 14) diz:
“Quase todas as
guerras que os bárbaros do norte travaram na Itália, pode-se aqui observar,
foram ocasionadas pelos pontífices; e as hordas que inundaram o país foram
geralmente chamadas por eles.”
A relação que estes reis arianos mantinham com o
papa, pela qual se pode ver que teriam de ser submetidos para se abrir o
caminho à supremacia papal, é mostrada no seguinte testemunho de Mosheim, em
sua história eclesiástica (An Ecclesiastical History, Ancient and Modern,
vol. 1, p. 113, 114):
“Por outro lado se
estabelece, mediante uma variedade dos mais autênticos registros, que tanto os
imperadores como as nações em geral estavam longe de dispor-se a suportar com
paciência o jugo de servidão que os papas impunham à igreja cristã. Os
príncipes godos puseram limites ao poder daqueles arrogantes prelados da
Itália; a ninguém permitiam que fosse elevado ao pontificado sem sua aprovação,
e se reservavam o direito de julgar a legalidade de cada nova eleição.”
Um caso
comprobatório desta declaração ocorreu na história de Odoacro, o primeiro rei
ariano já mencionado, segundo o relato de Arquibaldo Bower em sua obra The
History of the Popes, Vol. 1, p. 271. Quando, ao morrer o papa Simplício,
em 483, o clero e o povo se haviam congregado para a eleição de um novo papa,
de repente Basílio, prefeito do pretório e lugar-tenente do rei Odoacro, se
apresentou na assembleia; expressou sua surpresa de que sem ele se realizasse
um ato como a designação de um sucessor do falecido papa; em nome do rei
declarou que ficava anulado tudo o que se havia feito; e ordenou que se
reiniciasse a eleição.
Enquanto isso, Zenão, imperador do Oriente e amigo
do papa, ansiava por expulsar Odoacro da Itália (Maquiavel, op. cit., p. 6),
movimento que ele logo teve a satisfação de ver realizado sem dificuldade para
si. Teodorico assumiu o trono do reino ostrogodo da Mésia e Panônia. Como era
amigo de Zenão, escreveu explicando-lhe que resultava impossível reter os seus
godos dentro da empobrecida província da Panônia, e lhe pedia permissão para
levá-los a alguma região mais favorável que pudessem conquistar e possuir.
Zenão lhe deu permissão para marchar contra Odoacro e apoderar-se da Itália. De
acordo com isso, depois de cinco anos de guerra ficou destruído o reino hérulo
da Itália, Odoacro foi morto traiçoeiramente, e Teodorico estabeleceu seus
ostrogodos na península itálica. Como já se indicou, era ariano, e conservou a
lei de Odoacro, que submetia a eleição do papa à aprovação do rei.
O seguinte
incidente mostrará quão completamente o papado esteve sujeito ao seu poder.
Como os católicos do Oriente haviam iniciado uma perseguição contra os arianos
em 523, Teodorico chamou o papa João à sua presença e assim lhe falou:
“Se o imperador
[Justino, predecessor de Justiniano] não acha conveniente revogar o edito que
proclamou ultimamente contra os de minha religião [a saber, os arianos], é
minha firme resolução promulgar um edito e vê-lo por toda parte executado com o
mesmo rigor. Os que não professam a fé de Niceia são hereges para ele, e os que
a professam são hereges para mim. Qualquer coisa que possa escusar ou
justificar sua severidade para com os primeiros, escusará e justificará a minha
para com os últimos. Mas, o imperador — continuou o rei — não tem ao seu redor
ninguém que ouse dizer franca e abertamente o que pensa, nem escutaria a quem o
fizesse. Mas a grande veneração que ele professa por vossa Sé não deixa dúvida
de que ele vos ouviria. Portanto quero que vos dirijais imediatamente a
Constantinopla e lá protesteis, em meu nome e no vosso próprio, contra as
violentas medidas tomadas temerariamente por aquela corte. Está em vosso poder
dissuadir delas o imperador; e até que o tenhais feito, mais ainda, até que os
católicos [este nome Teodorico aplica aos arianos] sejam restaurados ao livre
exercício de sua religião e a todas as igrejas das quais foram expulsos, não
deveis pensar em voltar à Itália.” (Bower, History of the Popes, Vol. 1, p.
325).
O papa que recebeu do imperador a ordem tão
peremptória de não pisar novamente em solo italiano enquanto não houvesse
cumprido a vontade do rei, certamente não podia esperar muito progresso para
nenhuma espécie de supremacia enquanto esse poder não fosse afastado do
caminho.
Os
sentimentos que os partidários papais abrigavam para com Teodorico podem ser
avaliados com exatidão, a julgar por uma citação já feita, pela vingança que
eles fizeram contra sua memória. De sua tumba imponente em Ravena arrancaram a
urna em que seus súditos arianos haviam guardado suas cinzas. Mas esses
sentimentos são expressos na linguagem de Barônio, que acusa “Teodorico de
haver sido um bárbaro cruel, um tirano bárbaro e um ímpio ariano.” (Baronio’s
Annals, A. D. 526, p. 116; Bower, op, cit., vol. 3, p. 328).
Enquanto os católicos sentiam assim o restrito poder de um rei ariano na
Itália, sofriam violenta perseguição dos vândalos arianos na África. (Gibbon,
op. cit., cap. 37, sec. 2). Elliot, em sua Horae Apocalypticae,
vol. III, p. 152, nota 3, diz: “Os reis vândalos não eram somente arianos, mas
também perseguidores dos católicos, tanto na Sardenha e na Córsega, sob o
episcopado romano, como na África.”
Tal era a situação quando, em 533, Justiniano
iniciou suas guerras contra os vândalos e os godos. Desejando contar com a
influência do papa e o partido católico, promulgou aquele memorável decreto que
constituiria o papa o cabeça de todas as igrejas, e de cuja execução, em 538,
data o início da supremacia papal. E quem quer que leia a história da campanha
africana (533-534) e da campanha italiana (534-538) notará que os católicos em
toda parte saudaram como libertadores os soldados do exército de Belisário,
general de Justiniano.
Mas nenhum
decreto como o referido podia entrar em vigor enquanto não fossem arrancados os
chifres arianos que a ele se opunham. As coisas mudaram, porém, pois nas
campanhas militares da África e da Itália as legiões vitoriosas de Belisário em
534 deram ao arianismo um golpe tão demolidor que foram vencidos seus líderes.
Procópio
relata que Justiniano empreendeu a guerra africana para aliviar os cristãos
(católicos) daquela região, e que quando expressou seu intento a esse respeito,
o prefeito do palácio quase o dissuadiu de seu propósito; mas teve um sonho no
qual se lhe ordenou “não se esquivar à execução de seu desígnio, porque,
ajudando aos cristãos, ele derribaria o poder dos vândalos.” (Teodoreto e
Evagrio, Ecclesiastical History, Livro 4, capítulo 16, p.
399).
Diz Mosheim:
“É verdade que os
gregos que haviam recebido os decretos do concílio de Niceia [quer dizer, os
católicos], perseguiam e oprimiam os arianos onde quer que sua influência e
autoridade podiam alcançar; mas por sua vez os partidários do concílio de
Niceia não eram menos rigorosamente tratados por seus adversários [os arianos],
particularmente na África e na Itália, onde sentiam, de forma muito severa, o
peso do poder dos arianos e a amargura de seu hostil ressentimento. Os triunfos
do arianismo foram, porém, transitórios; e seus dias de prosperidade ficaram
inteiramente eclipsados quando os vândalos foram expulsos da África, e os godos
da Itália, pelas armas de Justiniano.” (Mosheim, An Ecclesiastical History
Ancient and Modern, vol. 1, p. 142, 143).
Elliot resume o assunto assim: “Poderia citar três membros
da lista dada a princípio que foram desarraigados de diante do papa, a saber,
os hérulos, sob Odoacro, os vândalos, e os ostrogodos.”
(Horae Apocalypticae, vol. 3, p. 139, nota 1).
Com base no testemunho histórico citado, cremos ter
ficado claramente estabelecido que os três chifres arrancados eram as potências
mencionadas: os hérulos, em 493, os vândalos, em 534, e os ostrogodos
finalmente em 554, embora a oposição efetiva desses últimos ao decreto de
Justiniano cessou quando foram arrancados de Roma por Belisário em 538 (Student’s
Gibbon, p. 309-319).
O chifre pequeno ia
proferir “palavras contra o Altíssimo” — Esta profecia foi infelizmente cumprida na história dos
pontífices. Eles procuraram, ou pelo menos permitiram, que se lhes aplicassem
títulos que seriam hiperbólicos ou blasfemos, se fossem aplicados a um anjo de
Deus.
Lucio
Ferraris, em sua Prompta Bibliotheca referida pela Catholic
Encyclopedia como “uma verdadeira enciclopédia de conhecimentos
religiosos”, declara em um artigo onde trata do papa:
“O papa é de tão
grande dignidade e exaltação que não é um simples homem, senão como se fosse
Deus, e o vigário de Deus. [...] O papa é de dignidade tão sublime e suprema
que, falando com propriedade, não fora estabelecido em algum grau de dignidade,
antes foi posto no mesmo cume de todas as dignidades. [...] O papa é chamado
santíssimo porque, presume-se, legitimamente o é.
“Só o papa merece ser chamado ‘santíssimo’
porque somente ele é o vigário de Cristo, manancial, fonte e plenitude de toda
a santidade. [...] ‘É igualmente o monarca divino, imperador supremo, o rei de
reis’. [...] Daí que o papa porta uma coroa tríplice, como rei do céu, da terra
e das nações inferiores. [...] Ademais, a superioridade e o poder do pontífice
romano não se referem só às coisas celestiais, às terrenas e às que estão
debaixo da terra, senão às que chegam até os anjos, pois é maior que eles. [...]
De maneira que se fosse o caso de os anjos errarem na fé, ou pensassem de modo
contrário à fé, poderiam ser julgados e excomungados pelo papa. [...] Porque
ele tem tão grande dignidade e poder que forma com Cristo um e o mesmo tribunal
[...]
“O papa é como se fosse Deus na terra, só
soberano dos fiéis de Cristo, principal rei de reis, que tem a plenitude do
poder, a quem o Deus onipotente confiou não só a condução do terreno, como
também do reino celestial. [...] O papa tem tão grande autoridade e poder que
pode modificar, explicar ou interpretar ainda as leis divinas” (Traduzido de
Lucio Ferraris, em sua Prompta Bibliotheca, art. “Papa”, II, vol. 6, p.
26-29).
Cristóvão Marcelo, na quarta do quinto concílio de
Latrão, numa oração dirigida ao papa, exclamou: “Tu és o pastor, tu és o
médico, tu és o diretor, tu és o lavrador; finalmente é outro Deus na terra.”
(P. Juan Arduino, Acta Conciliorum, vol. 9, p. 1651).
Diz Adam
Clarke, com referência ao versículo 25:
“Falará como se
fosse Deus." Assim São Jerônimo cita a Símaco. A ninguém pode isso aplicar-se
tão bem e plenamente como aos papas de Roma. Eles assumiram a infalibilidade,
que só pertence a Deus. Professam perdoar pecados, coisa que só pertence a
Deus. Professam abrir e fechar o céu, o que só pertence a Deus. Professam ser
superiores a todos os reis da terra, o que só pertence a Deus. E vão além de
Deus ao pretenderem liberar nações inteiras de seu juramento de fidelidade aos
seus reis, quando tais reis a elas não agradam. E vão contra Deus quando dão
indulgências pelo pecado. Esta é a pior de todas as blasfêmias.” (Adam Clarke,
Commentary on the Old Testament, vol. 4, p. 596, nota sobre Daniel 7:25).
O chifre pequeno
“magoará os santos do Altíssimo” — Requer-se
pouca investigação histórica para provar que Roma, tanto nos tempos antigos
como durante a Idade Média, perseguiu a igreja de Deus. Abundantes provas podem
ser apresentadas para demonstrar que, antes e depois da Reforma, as guerras, as
cruzadas, as matanças, as inquisições e perseguições de todas as classes foram
os métodos adotados para obrigar a todos a submeter-se ao jugo romano.
A história
da perseguição medieval espanta e nos custa alongar-nos em seus detalhes.
Comentando sobre esta profecia, Barnes declara:
“Pode alguém
duvidar que isto é verdade com referência ao papado? A inquisição, as
perseguições aos valdenses, os massacres do duque de Alba, as fogueiras de
Smithfield, as torturas em Goa; em verdade toda a história do papado pode ser invocada
para provar que essa declaração se aplica à referida potência. Se houve alguma
coisa que procurou quebrantar "os santos do Altíssimo", que os teria riscado da
Terra para que a religião evangélica se extinguisse, foram as perseguições do
poder papal. Em 1208 o papa Inocêncio III proclamou uma cruzada contra os
valdenses e os albigenses, na qual um milhão de homens pereceram. Desde a
fundação da ordem dos jesuítas, em 1540, até 1580, foram mortas novecentas mil
pessoas. A inquisição levou à morte cerca de cento e cinquenta mil pessoas em
trinta anos. Nos Países Baixos, cinquenta mil pessoas foram enforcadas,
decapitadas, queimadas e enterradas vivas, pelo crime de heresia, no período de
trinta e oito anos, desde o edito de Carlos V contra os protestantes até a paz
de Cateau Cambresis em 1559. No espaço de cinco anos e meio, 18.000 foram
entregues ao carrasco, durante a administração do duque de Alba. Na verdade, o
menor conhecimento da história do papado convencerá a qualquer um de que as
afirmações "fazia guerra contra os santos" (verso 21) e "magoará os santos do
Altíssimo" (verso 25), se aplicam estritamente a essa potência e com exatidão
descrevem sua história.” (Albert Barnes, Notes on Daniel, p. 328, comentário
sobre Daniel 7:25).
Estes fatos ficam confirmados pelo testemunho de
Guilherme E. Lecky, em History of the Rise of the Spirit of Rationalism
in Europe, vol. 2, pp. 35, 37, onde declara:
“Que a igreja de
Roma tenha derramado mais sangue inocente que qualquer outra instituição que já
existiu entre a humanidade, é algo que nenhum protestante que tenha um
conhecimento completo da história porá em dúvida. Na verdade os elementos que
poderiam lembrar muitas de suas perseguições escasseiam agora de tal maneira
que é impossível formar-se um completo da multidão de suas vítimas. É
igualmente certo que não há faculdades da imaginação que possam compreender
adequadamente seus sofrimentos. [...] Estas atrocidades não foram perpetradas
em breves paroxismos de um reinado de terror, nem por mão de sectários
obscuros, mas infligidas por uma igreja triunfante, com toda a circunstância de
solenidade e deliberação.”
E em nada muda o assunto porque em numerosos casos
as vítimas foram entregues às autoridades civis. A igreja era a que decidia em
questões de heresia, entregando em seguida os ofensores ao tribunal secular. Mas
o poder secular naqueles dias de perseguição não era senão um instrumento nas
mãos da igreja e sob seu controle, para executar suas ordens. Quando a igreja
entregava seus prisioneiros aos carrascos para que os executassem, pronunciava
a seguinte fórmula: “Deixamos-te e te entregamos ao braço secular e ao poder do
tribunal secular; mas ao mesmo tempo rogamos ardentemente a esse tribunal que
modere sua sentença para não tocar no teu sangue nem pôr tua vida em perigo.” (Miguel
Geddes, “A View of the Court of Inquisition in Portugal”, Miscellaneous
Tracts, vol. 1, p. 408; Ver também Filipe Limborch, The History of
the Inquisition, Vol. 2, p. 289). Então, como realmente se pretendia, as infortunadas vítimas do ódio
papal eram imediatamente executadas.
O testemunho
de Lapicier é muito oportuno a respeito:
“O poder civil pode
castigar unicamente o delito de incredulidade na forma e grau em que esse
delito foi revelado judicialmente por pessoas eclesiásticas, versadas na
doutrina da fé. Mas a igreja ao tomar para si o conhecimento do delito de
incredulidade, pode por si mesma decretar a sentença de morte, embora não
executá-la; mas confia em sua execução ao braço secular.” (Alejo M.
Lapicier, The Stability and Progress of Dogma, p. 195).
Mas as falsas declarações de alguns católicos de
que a igreja nunca matou os dissidentes, foram plenamente negadas por um dos
seus próprios escritores autorizados, o cardeal Belarmino, que nasceu na
Toscana em 1542, e que, após sua morte em 1621, esteve a ponto de ser colocado
entre os santos do calendário pelos grandes serviços que prestou à igreja. Esse
homem, em certa ocasião, no calor de uma controvérsia, traiu-se a ponto de
admitir os fatos reais do caso. Tendo Lutero dito que a igreja (querendo dizer
a igreja verdadeira) jamais queimou hereges, Belarmino, entendendo-a como a
igreja católica romana, respondeu:
“Este argumento
prova, não o sentimento, mas a ignorância ou impudência de Lutero; pois, visto
que em número quase infinito ou foram queimados ou mortos de outra maneira,
resulta que, ou Lutero não o sabia, e portanto era ignorante; ou se o sabia
torna-se convicto de impudência e mentira, pois o fato de que foram
frequentemente queimados hereges pela igreja, pode ser provado com muitos
exemplos.” (Juan Dowling, The History of Romanism, p. 547).
Alfredo Baurillart, reitor do Instituto Católico de
Paris, referindo-se à atitude diante da heresia, observa:
“Quando está diante
da heresia, não se contenta com a persuasão; parecem-lhe insuficientes os
argumentos de ordem intelectual e moral, e recorre à força, ao castigo corporal
e à tortura. Cria tribunais como os da Inquisição, invoca a ajuda das leis do
Estado; se necessário estimula uma cruzada, ou uma guerra religiosa, e na
prática todo seu "horror de sangue" culmina em sua incitação do poder secular
para derramá-lo, procedimento que é quase mais odioso, porque é menos franco
que o de derramá-lo ela mesma.
“Operou assim especialmente no século XVI com
relação aos protestantes. Não se conformou em reformá-los moralmente,
ensinar-lhes pelo exemplo, converter o povo mediante missionários eloquentes e
santos, e acendeu na Itália, nos Países Baixos, e sobretudo na Espanha, as
fúnebres fogueiras da Inquisição. Na França sob Francisco I e Henrique II, na
Inglaterra sob Maria Tudor, torturou os hereges, enquanto que tanto na França
como na Alemanha, durante a segunda metade do século XVI, e a primeira metade
do XVII, se não as incitou em realidade, pelo menos estimulou e fomentou
ativamente as guerras religiosas.” (Alfredo Baurillart, The Catholic Church, the
Renaissance, and Protestantism, p. 182, 183).
Em uma carta do papa Martin V (1417-1431),
encontram-se as seguintes instruções dirigidas ao rei da Polônia:
“‘Sabei que o
interesse da Santa Sede, e os de vossa coroa, vos impõe o dever de exterminar
os hussitas. Lembrai que estes ímpios se atrevem a proclamar princípios de
igualdade; sustentam que todos os cristãos são irmãos, e que Deus não deu a
homens privilegiados o direito de governar as nações; sustentam que Cristo veio
à terra para abolir a escravatura; chamam o povo a ser livre, quer dizer, a
aniquilar os reis e sacerdotes. Portanto, enquanto ainda há tempo, dirigi
vossas forças contra a Boêmia; matai, fazei desertos por toda parte; porque
nada poderia ser mais agradável a Deus, nem mais útil à causa dos reis, que o
extermínio dos hussitas.’” (L. M. Carmenin, The Public and Private History of the Popes of Rome,
vol. 2, p. 116, 117).
Tudo isto estava em harmonia com os ensinos da
igreja. A heresia não devia ser tolerada, senão destruída.
A Roma pagã
perseguiu sem tréguas a igreja cristã, e calcula-se que três milhões de
cristãos pereceram nos três primeiros séculos da era cristã. Entretanto, diz-se
que os cristãos primitivos oravam para que subsistisse a Roma imperial pois
sabiam que quando cessasse esta forma de governo, outro poder muito pior se
levantaria, que literalmente, como esta profecia declara, haveria de “destruir
os santos do Altíssimo”. A Roma pagã podia matar os meninos, mas perdoava as
mães; mas a Roma papal matava juntamente as mães e os meninos. Nem idade, sexo
ou condição isentavam de sua ira implacável.
O chifre pequeno cuidaria em “mudar os tempos
e a lei” — Que lei?
Não a lei de outros governos terrenos; porque não era de estranhar que uma
potência mudasse as leis de outra, sempre que conseguisse pôr esta outra
potência sob seu domínio. Não era lei humana; porque o chifre pequeno tinha
poder de mudar as leis humanas até onde se estendia sua jurisdição; mas os
tempos e a lei aqui mencionados eram de tal natureza que esta potência podia
somente pensar em mudá-los, sem ter o poder de fazer realmente
a mudança. É a lei do mesmo Ser a quem pertencem os santos que
são quebrantados por esse poder, a saber, a lei do Altíssimo.
E o papado
tentou fazer isso? Sim, até isso. Acrescentou o segundo mandamento do decálogo
ao primeiro, tornando-os um só, e dividiu o décimo em dois, fazendo que o nono
proíba cobiçar a esposa do próximo, e o décimo a propriedade do próximo, para
conservar o número completo de dez. Embora todas as palavras do segundo
mandamento se conservem na Bíblia católica e no catecismo romano autorizado
pelo Concílio de Trento, encontram-se em ambos os lugares esmeradas explicações
no sentido de que, exceto as do próprio Deus, sua confecção e emprego não ficam
proibidos pelo mandamento quando se empregam somente para venerar as virtudes
dos santos, e não para adorá-los como deuses, que é o que proíbe expressamente
o mandamento. Aplica-se também o mesmo princípio às cinzas, aos ossos e outras
relíquias dos santos, e as representações dos anjos.
Alguns
autores católicos têm muito a dizer para justificar sua igreja no uso das imagens
em seu culto; e nos falam sobretudo da utilidade delas “para ensinar ao povo as
grandes verdades da religião”. Mas a realidade das coisas é que no culto
católico o papel que desempenham as imagens não se limita à fase didática.
Tributa-lhes veneração, e o povo se inclina a elas e as honra, coisas que são
principalmente vedadas, pois a proibição de fazer imagens se aplica quando
destinadas a fins de culto, e não, logicamente, quando só os têm de
ensino.
DECÁLOGO ORIGINAL
Êxodo 20:1-17, Segundo A Bíblia de Jerusalém
I° Não terás outros deuses diante de mim.
II° Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao
que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas, que estão
debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás,
porque eu, Yahweh teu Deus, sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos
pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas que
também ajo com amor até a milésima geração para aqueles que me amam e guardam
os meus mandamentos.
III° Não pronunciarás o nome de Yahweh teu Deus, porque Yahweh não
deixará impune aquele que pronunciar em vão o seu nome.
IV° Lembra-te do dia de sábado para santificá-lo. Trabalharás durante
seis dias, e farás toda a tua obra. O sétimo dia, porém, é o sábado de Yahweh
teu Deus. Não farás nenhum trabalho, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem
teu escravo, nem tua serva, nem teu animal, nem o estrangeiro que está em tuas
portas. Porque em seis dias Yahweh fez o céu, a terra, o mar e tudo o que eles
contêm, mas repousou no sétimo dia; por isso Yahweh abençoou o dia de sábado e
o santificou.
V° Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias
sobre a terra que Yahweh teu Deus, te dá.
VI° Não matarás.
VII° Não cometerás adultério. 6
VIII° Não roubarás.
IX° Não apresentarás um falso testemunho contra o teu próximo.
X° Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a sua mulher,
nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem
coisa alguma que pertença a teu próximo.
DECÁLOGO POPULAR
Segundo o Catecismo da Doutrina Cristã, p. 9, Edição Oficial,
1930.
I° Amar a Deus sobre todas as coisas.
II° Não tomar o Seu santo nome em vão.
III° Guardar domingos e festas.
IV° Honrar pai e mãe.
V° Não matar.
VI° Não pecar contra a castidade.
VII° Não furtar.
VIII° Não levantar falso testemunho.
IX° Não desejar a mulher do próximo.
X° Não cobiçar as coisas alheias.
E quanto ao quarto mandamento, que é o
terceiro na ordem mudada, o catecismo de mais autoridade na igreja católica
romana conserva todo o mandamento e insiste é um privilégio e dever sagrado
observar escrupulosamente o dia de descanso na vida pessoal e no culto público.
No entanto, declara que o dia particular para repousar-se estava relacionado
com os ritos cerimoniais dos judeus, e juntamente com eles foi eliminado em
Cristo; e logo dá razões pelas quais o dia de descanso deve ser observado no
primeiro dia da semana, chamado domingo.
Para apoiar a breve declaração anterior sobre
a mudança dos tempos e da lei pelo papado, apresentaremos provas obtidas desse
catecismo de mais autoridade na igreja católica romana. De acordo com The Catholic Encyclopedia, “a autoridade deste catecismo é superior à de qualquer outro,
mas não alcança, é claro, o nível da que têm os cânones e decretos de um
concílio.” (The Catholic Encyclopedia, art. Doctrine, Christian,
vol. 5, p. 79)
Antes
de apresentar as citações, deve primeiro declarar-se que no governo da igreja
católica romana, os cânones e decretos de um concílio eclesiástico ecumênico
são oficiais e supremos. Entre tais concílios, destaca-se o de Trento,
celebrado em Trento, na Itália, desde 1545 a 1563. Visto que aquele chamado a
contrariar a influência da Reforma protestante, tratava extensamente as
doutrinas e costumes da igreja, decretou oficialmente que o santo sínodo
ordenara a todos os bispos que explicassem os sacramentos de acordo com a forma
que o santo sínodo prescreveria para todos os sacramentos em um catecismo que
os bispos haveriam de traduzir fielmente para a língua popular e cuidar que os
sacerdotes das paróquias o exponham ao povo. (Ver J.
Donovan, em suas citações do “Council of Trent, Sess. xxiv, c. vii, on
Reformation”, Catechism of the Council of Trent, p.
4).
Em cumprimento desta ordem, São
Carlos Barromeo e outros teólogos compuseram em latim para a igreja católica,
em 1566, e foi publicado em Roma pela Congregação Vaticana da Propaganda da Fé,
sob o título de Catechismus Romanus ex decreto
Sacrosancti Concilii, jusssu S. Pii V Pontificis Maximi editus, em outras palavras “Catecismo
romano segundo o decreto do Sagrado Concílio de Trento, publicado por ordem de
sua santidade Pio V, Pontífice Máximo.”
Este livro foi traduzido para diferentes
idiomas, e em castelhano há diferentes edições dele, mas copiaremos nossas
citações do “Catecismo do Santo Concilio de Trento para los Párrocos, ordenado
por disposición de San Pío V. Traduzido em língua castelhana pelo P. Fr.
Agustín Zorita, religioso dominical, segundo a impressão que, da ordem do Papa
Clemente XIII, foi feita em Roma no ano de 1761”, e “publicado por ordem do rei
em Valência por Don Benito Monfort. Ano de 1782.”
Transcreveremos algumas citações deste Catecismo de Trento, ou seja a exposição oficial e autorizada da doutrina católica. A
primeira destas citações referir-se-á ao quarto mandamento do Decálogo (o
terceiro na lista apresentada pela igreja católica). Veremos como ela reconhece
ter feito uma mudança quanto ao dia da semana que se deve observar, e os
argumentos que aduz para ordenar que se guarde o domingo em vez do sábado.
“Foi do agrado da igreja de
Deus que a celebração do Sábado fosse transferida para o dia do Senhor
[referindo-se ao Domingo]; porque assim como, nesse dia, a luz brilhou sobre o
mundo, assim foi nossa vida tirada das trevas para a luz, pela ressurreição,
nesse dia, de nosso Redentor, que nos abriu a porta para a vida eterna. Por
isso os apóstolos quiseram que se chamasse "dia do Senhor". Também observamos
nas Escrituras Sagradas que esse dia era tido como sagrado, pelo fato de que
nele se iniciou a criação do mundo, e o Espírito Santo foi derramado sobre os
apóstolos.” (Catechism of the Council of Trent, p. 347).
Temos aqui a declaração do
próprio papado de que a igreja católica romana mudou a observância do dia de
repouso, do sétimo dia ordenado pelo Decálogo no primeiro dia da semana, que é
aqui erroneamente chamado “dia do Senhor” (Ver o comentários sobre Apocalipse
1:10). É de observar-se que os apóstolos são acusados de mudar o sétimo dia
para o primeiro, mas sem citar nenhuma prova das Escrituras, porque não há.
Todas as razões nesta declaração para defender a mudança são pura e
simplesmente de invenção humana e eclesiástica.
O
testemunho que antecede basta para demonstrar como o papado procurou mudar os
tempos e a lei. Os dados de como posteriores catecismos católicos romanos para
instrução “dos fiéis” declaram ousadamente que a igreja mudou o dia e até
desafiam os protestantes porque aceitam e observam a mudança, se encontrará em
nosso comentário referente à marca da besta, quando tratarmos Apocalipse 13.
Antes de abandonar este tema da mudança do
sábado, resultará iluminador observar outros motivos que o papado aduz por ter
mudado o dia de descanso, além da declaração errônea de que a mudança foi feita
pelos apóstolos. No mesmo catecismo romano ao qual já nos referimos acima,
encontra-se uma tentativa de explicar como o mandamento do sábado difere dos
demais do Decálogo.
“Pois a diferença certa é, que
os demais preceitos do Decálogo são naturais, perpétuos, e que de modo nenhum
podem variar. Daí que se bem foi ab-rogada a lei de Moisés, o povo cristão ainda
guarda os mandamentos que estão nas duas tábuas. E isso é feito não porque
Moisés o mandou, mas porque convêm à natureza cuja força impele os homens a
guardá-los. Mas este mandamento sobre a santificação do sábado, se olhamos ao
tempo assinalado, não é fixo e constante, senão que pode mudar-se: porque não
pertence aos costumes e sim às cerimônias; nem tampouco é natural, porque não é
ensinado nem ditado pela natureza, que tributemos culto a Deus, nesse dia do
que em qualquer outro, e sim que o povo de Israel começou a guardar esse dia de
sábado desde aquele tempo em que foi libertado da escravidão de Faraó.
“O tempo, pois, em que seria tirado o culto do
sábado era o mesmo em que se deveriam antiquar-se os demais cultos e cerimônias
hebraicas: a saber, na morte de Cristo. Porque sendo aquelas cerimônias imagens
em sombra da luz e da verdade, era preciso que fossem afugentados com a vinda
da luz e verdade, que é JESUS CRISTO.” (Idem, p. 257).
O
leitor precisa apenas lembrar que a lei dos dez mandamentos foi escrita pelo
dedo de Deus sobre tábuas de pedra, enquanto que as leis cerimoniais foram
escritas por Moisés em um livro. Ademais, o Decálogo foi escrito antes que
as cerimoniais fossem dadas a Moisés. Creremos que Deus fosse capaz de misturar
um mandamento cerimonial com os nove da lei moral, e confiar a correção a um
corpo eclesiástico arrogante? Na verdade o motivo pelo qual se devia repousar
no sétimo dia era, segundo é indicado no próprio mandamento, porque o próprio
Criador descansou nesse dia, e o separou como monumento comemorativo de sua
obra criadora, sem a menor implicação de que pudesse ser “sombra das coisas
vindouras” em Cristo, a quem apontavam todos os ritos e ordenanças cerimoniais.
Mais uma citação do Catecismo Romano merece
ser considerada, pois contém sugestões que ainda hoje se repetem com
frequência:
“Por esta razão, os apóstolos
determinaram consagrar ao culto divino o primeiro daqueles sete dias, e o
chamarão Domingo. Do dia de Domingo faz menção João em seu Apocalipse (a). E o
apóstolo ordena que se façam as coletas no primeiro dia da semana (b) que é o
Domingo: segundo o explica São João Crisóstomo (c). Para que entendamos que já
então era tido na Igreja o dia de Domingo como Santo.” (Idem, p. 258).
Além
de acusar falsamente os apóstolos de ter mudado o dia de repouso, quer-se dizer
aqui que os cálculos comerciais referentes às contas da pessoa no primeiro dia
da semana constituem um motivo para observá-lo como dia de repouso
contrariamente à imutável lei de Deus.
Esta citação também revela o fato de que se
confia mais na práticas e interpretações dos pais, como “São Cristóvão”,
mencionado aqui, em vez das próprias Escrituras para provar que o sábado da lei
de Deus foi mudado para o domingo.
Mais uma observação deve fazer-se aqui,
especialmente para ser considerada pelos clérigos e leigos protestantes. Neste
Catecismo Romano, composto por ordem do papa Pio V em meados do século XVI,
apresentam-se quase todos os argumentos que os protestantes empregam em nossa época
para apoiar a mudança do dia de repouso do sétimo dia para o primeiro dia da
semana. Notem-se os seguintes:
Assumem sem nenhuma prova que o mandamento do
sábado era parte da lei cerimonial (embora incorporado no próprio coração da
lei moral escrita pelo dedo de Deus), e afirmam que portanto foi eliminado por
Cristo.
Declaram ousadamente que os apóstolos
ordenaram que se observasse o primeiro dia da semana em vez do sétimo, e citam
o emprego que João faz do termo “dia do Senhor” em Apocalipse 1:10, apesar do
fato de que o único dia que Deus alguma vez separou como santo e reclamou como
seu, tendo ele próprio repousado nele, foi o sétimo dia do quarto mandamento.
Sustentam que a lei do dia de repouso
“concorda com a lei da natureza” ao exigir que cessem os trabalhos e se observe
um dia de meditação e culto; mas declaram que o dia de
sua observância “pode ser mudado”, visto que, segundo seu argumento, “não
pertence à lei moral e sim à cerimonial”, e que foi efetivamente mudado pelos
apóstolos, pelos pais e pela igreja, e transferido ao primeiro dia da semana.
Os argumentos que apresentam a favor de tal
mudança são: que a luz brilhou pela primeira vez sobre o mundo no primeiro dia
da semana; a ressurreição de Cristo ocorreu nesse dia; o Espírito Santo desceu
sobre os apóstolos nesse mesmo dia da semana; Paulo aconselhou os cristãos que
fizessem seus cálculos comerciais no primeiro dia e separassem algo para o
Senhor. Todos estes argumentos são inventados pelos homens e não há autoridade
bíblica para justificar a mudança. As únicas razões apresentadas pelo Criador e
Senhor do sábado, são que ele criou o mundo em seis dias, descansou no sétimo, e o separou para uso santo, da
mesma forma permanente e inalterável em que criou todas as coisas durante os outros
dias da semana da criação.
Talvez os protestantes não se deem conta de
que, ao defender o domingo como dia de repouso, empregam os argumentos
católicos romanos contidos no catecismo do concílio de Trento, publicado no
século XVI; mas o fato é que cada um dos que são mencionados se encontram
naquela obra. Para ser consequentes, os protestantes devem separar-se
completamente do papado, e aferrar-se à Bíblia e à Bíblia só em sua fé e
prática.
“Um tempo, tempos e metade
de um tempo” —
O pronome “eles” relacionado com esta frase abrange os santos, os tempos e a
lei acima referidos. Por quanto tempo haveriam de ser entregues nas mãos dessa
potência? Um tempo, como vimos em Daniel 4:23, é um ano; dois tempos, o mínimo
que poderia ser denotado pelo plural, dois anos; e a metade de um tempo é meio
ano. Temos assim três anos e meio como duração dessa potência. O vocábulo
caldeu traduzido por “tempo” no texto que consideramos é iddan,
que Gesênio define como tempo e acrescenta: “Empregado em linguagem profética
para designar um ano. Daniel 7:25.”
É preciso considerar que estamos estudando uma
profecia simbólica, e por isso esta medida de tempo não é literal, mas
simbólica. Surge então a pergunta: Qual é a duração do período denotado por
três anos e meio de tempo profético? A norma dada na Bíblia é que quando um dia
se usa como símbolo, representa um ano. (Ezequiel 4:6; Números 14:34). Quanto à
palavra hebraica yom, que significa dia, Gesênio
observa o seguinte, referindo-se ao seu plural : “As vezes yamin denota
um prazo definido de tempo; por exemplo, um ano; como também em siríaco e
caldeu, iddan, iddan significa tanto tempo
como ano.
Os estudantes da Bíblia têm reconhecido este
princípio através dos séculos. As seguintes citações revelam como concordam os
diversos autores a respeito. Joaquim, abade de Calábria, uma das grandes
figuras eclesiásticas do século XII, aplicou este princípio de dia-ano ao
período de 1.260 anos. “A mulher, vestida de sol, que representa a igreja,
permaneceu no deserto oculta da vista da serpente, sendo aceito
indubitavelmente um dia por um ano e 1.260 dias pelo mesmo número de anos.”
(Joaquim de Flores, “Concordantia”, livro 2, cap. 16, p. 12b).
“Três tempos e meio, quer
dizer, 1.260 anos solares, calculando um tempo como ano calendário de 360 dias,
e um dia como um ano solar. Depois do qual ‘assentar-se-á o juiz, e lhe tirará
o domínio’, não em seguida, senão por graus, para consumi-lo, e destruí-lo até
o fim.” (Sir Isaac Newton, Observations Upon the Prophecies of
Daniel, p. 127, 128).
O
ano bíblico, que se deve empregar como base de cálculo, continha 360 dias. (Ver
comentários sobre Apocalipse 11:3). Três anos e meio continham 1.260 dias. Como
cada dia representa um ano, temos que a duração da supremacia desse chifre é de
1.260 anos. Possuiu o papado domínio nesse período? A resposta é: Sim. O edito
do imperador Justiniano, datado de 533, fazia o bispo de Roma cabeça de todas
as igrejas. Mas esse edito não pôde entrar em vigor antes que os ostrogodos
arianos, o último dos três chifres que deveriam ser arrancados para dar lugar
ao papado, fossem expulsos de Roma; e isso não se realizou, como já foi mostrado,
antes de 538. O edito não teria tido efeito se este último acontecimento não
tivesse ocorrido; por isso temos de contar do ano 538, pois foi a partir deste
ponto que em realidade os santos estiveram nas mãos dessa potência. Mas,
exerceu o papado a supremacia durante 1.260 anos a partir daquela data?
Exatamente. Porque 538+1260 = 1798; e no ano de 1798 o general Berthier,
comandando um exército francês, entrou em Roma, proclamou a República,
aprisionou o papa e infligiu uma ferida mortal ao papado. Embora desde então
não voltou a ter todos os privilégios e imunidades que antes possuía, estamos
presenciando atualmente a restauração gradual de seu poder anterior.
O Juiz Se assentou — Após a descrição da
espantosa carreira do chifre pequeno e a afirmação de que os santos serão
entregues na sua mão por 1.260 anos, o que nos leva até 1798, o versículo 26
declara: “Mas depois se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o
destruir e o consumir até o fim.” No versículo 10 do mesmo capítulo encontramos
essencialmente a mesma expressão acerca do juízo: “Assentou-se o tribunal [ou,
noutras versões, “Assentou-se o juízo” ou “O Juiz se assentou”]. Parece
apropriado supor que em ambos os casos faz referência ao mesmo juízo. Mas a
cena sublime descrita no versículo 10 é a abertura do juízo investigativo no
santuário celestial, como se verá nas observações referentes a Daniel 8:14 e
9:25-27. A profecia situa esta cena de abertura do juízo no fim do período
profético de 2.300 anos, que terminou em 1844. (Ver os comentários a Daniel
9:25-27).
Quatro anos depois disso, em 1848, a grande
revolução que abalou tantos tronos da Europa, expulsou também o papa de seus
domínios. Sua restauração, efetuada pouco depois, o foi pela força de baionetas
estrangeiras, que o mantiveram até ele sofrer, em 1870, a perda final de seu
poder temporal. A queda do papado em 1798 assinalou a conclusão do período
profético de 1260 anos, e constituiu a “ferida mortal” profetizada em
Apocalipse 13:3, como havendo de sobrevir a essa potência; mas sua ferida
mortal seria “curada”.
A cura da ferida mortal — Em 1800 foi eleito
outro papa; seu palácio e domínio temporal lhe foram restituídos, e como diz
Jorge Croly, célebre comentador britânico, recuperou toda prerrogativa, exceto
a de ser perseguidor sistemático, porque a “ferida mortal” começava a curar-se.
Como
é possível ver-se esta “ferida mortal” curar-se e as especificações de Daniel
7:26 cumprir-se: “Para lhe tirar o domínio, para o destruir e o consumir até ao
fim”? Como podemos explicar este aparente paradoxo: Quaisquer que sejam as
dificuldades exegéticas, subsiste o fato de que na história do papado são
vistas estas duas especificações.
Em 1844, o juízo começou no santuário
celestial (verso 10). No verso 11, é-nos dito que “por causa da voz das
insolentes palavras que o chifre proferia [...] o animal foi morto.” Em 8 de
dezembro de 1854, o papa promulgou o dogma da Imaculada Conceição. Os exércitos
de Vítor Manuel tiraram do papa o poder temporal em 1870, o mesmo ano em que o
vigésimo concílio ecumênico decretou que o papa é infalível quando fala ex cáthedra, quer dizer, quando, como pastor e doutor de todos os cristãos,
define uma doutrina referente à fé ou à moral. Mas apesar das recentes honras
acumuladas pelo clero sobre o cargo de bispo de Roma, perdeu completamente o
poder temporal. Desde então os papas se encerraram como prisioneiros no
Vaticano de Roma até que em 1929 foi assinado com a Itália a concordata que
devolvia ao papa o domínio sobre a Cidade do Vaticano, pequena seção da cidade
de Roma.
Versículos
27-28: O reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu
serão dados ao povo dos santos do Altíssimo; o seu reino será reino eterno, e
todos os domínios o servirão e lhe obedecerão. Aqui, terminou o assunto. Quanto
a mim, Daniel, os meus pensamentos muito me perturbaram, e o meu rosto se
empalideceu; mas guardei estas coisas no coração.
Depois
de contemplar o quadro sombrio e desolador da opressão papal sobre a igreja, o
profeta pôde mais uma vez volver o olhar para o glorioso período de descanso
dos santos, quando receberão o reino, em possessão eterna, livres de todo poder
opressivo. Como poderiam os filhos de Deus manter-se alentados neste perverso
mundo atual, em meio aos desmandos e a opressão dos governos da Terra e às
abominações que nela se cometem, se não pudessem olhar à frente, para o reino
de Deus e a volta de seu Senhor, com plena certeza de que as promessas
concernentes a ambos se cumprirão, com segurança e rapidez?
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